Cleber Xavier contesta rótulo no Santos: 'Fui estagiário há 37 anos'
Corajoso, Cleber Xavier iniciou a sua carreira solo como treinador aos 61 anos em um dos maiores clubes do Brasil. Já nos primeiros dias, o Santos mostrou o grande desafio que viria pela frente.
Cleber foi apresentado numa terça-feira e na quinta recebeu o CRB, na Vila Belmiro, pela Copa do Brasil. O empate frustrante gerou fortes protestos contra diretoria e elenco. Houve conflito de torcedores organizados com policiais. Uma a de pressão.
Havia muito trabalho pela frente, e o pior: o celular deixaria de ser um bom companheiro nas horas vagas. Fã das redes sociais, o treinador chegou ao Santos com mais de 11 mil publicações no Instagram. Os ataques de santistas fizeram o feed ficar desatualizado.
A esperança em ter o discípulo de Tite rapidamente virou desconfiança de parte da torcida. Cleber ou a ser chamado cada vez mais de "estagiário" durante a sequência de cinco jogos sem vitórias, o Z4 no Campeonato Brasileiro e a eliminação na Copa do Brasil.
A crise aumentava, mas a diretoria do Santos via uma comissão técnica tranquila. Cleber Xavier demonstrava calma para os dirigentes, jogadores e funcionários das mais diferentes funções. O triunfo contra o Vitória acalmou um pouco os ânimos e motivou a entrevista de uma hora com o UOL na última terça-feira (27), no CT Rei Pelé, na véspera do amistoso com o RB Leipzig. O próximo rival é o Botafogo, hoje, na Vila Belmiro.
São 37 anos no trabalho e sou a mesma pessoa que começou no Inter. Com a mesma dedicação. Eu era estagiário de verdade no Inter quando comecei e trabalhava de graça. Muitos estagiários se tornaram grandes profissionais. É pejorativo isso, algo muito pequeno. Não gosto de coisa pequena. Gosto das coisas grandes. E graças a Deus estou num clube grandíssimo Cleber Xavier
Por que virar treinador agora?
Cleber Xavier trabalhou 25 anos como auxiliar de Tite até decidir por um caminho improvável: virar treinador aos 61 anos.
Ele amadureceu a ideia por alguns anos. Apesar da ótima relação com Tite, o sentimento era de poder fazer ainda mais.
Com o ar do tempo, Cleber era cada vez mais um "técnico oficial". Ele dava treinos sozinho e tomava decisões importantes até que, em outubro do ano ado, veio o anúncio da carreira solo. E a escolha de Vinicius Marques Oliveira como seu auxiliar.
Cleber Xavier recebeu algumas propostas, esteve perto de começar fora do Brasil e veio o Santos. Sem acordo com o próprio Tite, o Peixe pensou em ter uma metodologia semelhante. Veio também o auxiliar Matheus Bachi, filho de Tite, o preparador físico Fábio Mahseredjian e o clube já tinha Cesar Sampaio. Foi formada, então, a comissão técnica de Tite na seleção brasileira, mas sem o Adenor.
ei 25 anos em equipes profissionais, além da seleção, com grandes jogadores. Sempre fui o segundo treinador. Segundo e terceiro treinador decidem. Um dos maiores treinadores do Brasil me deu muita liberdade, aprendi muito. Eu estava e estou pronto. A decisão é minha, sou o primeiro, mas Matheus, Vinicius e Sampaio me ajudam muito. Time no papel não existe. Existe o time de verdade. Não são 11, são até 16, ainda mais nesse calendário. Eu tenho todos esses pensamentos e experimento, sinto, vejo a dedicação, o que pode melhorar, o que é positivo no cognitivo, de ideia de jogo, volatilidade, raça, sangue. Sinto isso também. Sinto desgaste do atleta, sinto dificuldade por processos mentais. Temos que trabalhar tudo isso
O início difícil no Santos
Cleber Xavier encontrou um elenco com pouca confiança e sem possibilidade de contratar, já que a janela de transferências só abre agora em junho.
A ideia foi evitar loucuras, promover melhora gradativa e apresentar novos conceitos aos poucos. A percepção da comissão técnica e diretoria é que houve uma boa evolução.
A primeira preocupação foi o sistema defensivo e, sem contar o amistoso com o RB Leipzig, foram apenas três gols sofridos em seis jogos. O problema é que o Santos só fez dois gols nesse intervalo.
A ordem agora é pontuar "na marra" contra Botafogo (casa) e Fortaleza (fora). Com reforços e mais tempo para trabalhar durante o Super Mundial de Clubes, o sarrafo pode subir para o segundo semestre.
"Temos conceito defensivo de marcação zonal, né? A nossa pressão alta é em função do adversário, entendendo por onde o adversário sai e procurando equilibrar para evitar sair, com essa marcação agressiva. Variamos, mas temos marcação basicamente de 4-1-3-2 na pressão inicial. Nossa média e baixa fecha muito por dentro. Estamos desenvolvendo esses conceitos. Nos trabalhos de conceito, setoriais e de enfrentamentos temos melhorado muito. Luan Peres muito bem, Souza trabalhamos individual, setorial e em campo todo evoluiu, entendeu bem. Basso trabalhou bem nesse processo, Luisão era lateral construindo com três, mas sendo lateral pela boa aérea. É um menino de muito potencial. Leo Godoy dá muito combate, muita agressividade na marcação. Tem feito bons jogos defensivos, ofensivamente precisamos melhorar mais o lado direito em relação ao esquerdo, que saiu o Soteldo e entrou o Guilherme com qualidade. Barreal trabalha mais pelo lado esquerdo, mas tem trabalhado no lado direito para ajudar. O conceito defensivo é dado a todos, a compreensão é clara e por isso a evolução", avaliou.
Eu tenho que ser muito verdadeiro nas minhas colocações. O dia a dia nos dá condições. Vários jogadores voltam de lesão. Ganhamos e perdemos jogadores, é difícil equilibrar. O momento ainda é de pressão, temos que ter clareza. O Botafogo é um grande adversário, vem se encontrando, com grandes conquistas recentes. Precisamos muito do apoio do torcedor. A vitória é mais importante que a performance hoje. Temos que performar melhor, óbvio, para vencer, e vejo melhoras defensivas, enquanto precisamos ser mais efetivos no ataque. Temos trabalhado para isso. A bola entrou contra o Vitória, criamos, a bola do Neymar ou do lado, Rollheiser na trave, Thaciano, a bola que o Guilherme perdeu? Se recupera e faz um golaço, lindo lance. Temos que trabalhar com essa clareza, de ser mais pragmáticos, equilibrados, controlar e dominar mais o jogo. Controlamos mais, mas dominamos menos contra o Vitória. Se for assim de novo, não vai ser ruim. Temos que pontuar com três. Se vier um ponto.... [não é ruim]. Tenho que ser claro, não posso iludir. O momento é verdadeiro. Precisamos pontuar, vencer em casa, para sair dessa situação
Estagiário?
Frustrada pelo rebaixamento recente e pela sucessão de temporadas sem grandes conquistas, a maior parte da torcida do Santos parece ter pouca paciência com Cleber Xavier.
O rótulo de "estagiário" por causa da primeira experiência ser no Santos pegou e incomoda o treinador, mesmo que o discurso seja sempre tranquilo.
Reconhecido no futebol pela parceria com Tite, Cleber agora quer se provar "sozinho". Já são 37 anos desde o primeiro estágio.
Sou um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. Trabalho muito para os atletas e para a instituição, amo essa profissão. São 37 anos de futebol. Trabalhei em base, em grandes clubes, em seleção. Tenho conquistas importantes. Não consigo dividir a situação. A comissão técnica é muito importante, estou em um dos maiores clubes do Brasil, um dos maiores do mundo. Devo me dedicar sem que as coisas ruins de fora me atrapalhem. Ouço as coisas boas dos meus amigos pelo Whatsapp, dos profissionais do Santos. Tenho costume de trazer as pessoas para mim. Eu acho que decorei os nomes de umas 70 pessoas, chamo todos pelo nome, trago sempre junto. Só o Escobar que às vezes me foge [risos]. Vivemos essa realidade. No momento de derrota, os funcionários ficam muito tristes e tento levantar, para que sorriam. E se ganhamos demais, temos que tirar um pouco.
São 37 anos no trabalho, sou a mesma pessoa que começou no Inter. Com a mesma dedicação. Eu era estagiário de verdade no Inter quando comecei e trabalhava de graça. Muitos estagiários se tornaram grandes profissionais. É pejorativo isso, algo muito pequeno. Não gosto de coisa pequena. Gosto das coisas grandes. E graças a Deus estou num clube grandíssimo
Instagram off
Cleber Xavier precisou de pouco tempo no Santos para perceber que as redes sociais já não seriam a mesma coisa.
Usuário assíduo do Instagram, o treinador tinha mais de 11 mil publicações no feed. Ele publicou sobre a chegada ao Peixe no dia 1º, manteve a média com 10 posts em 10 dias, mas já não atualiza há 20.
Os ataques de torcedores chegavam nas mensagens particulares, mas também nas publicações abertas envolvendo familiares. Cleber precisou mudar a relação que sempre teve com o aplicativo.
No dia 11 de maio, Cleber Xavier publicou uma foto da sua esposa para homenagear as mães. Há vários comentários criticando o trabalho no Santos. Um deles é: "Mas o que importa é que você está bem com a mãe do Godoy, a mãe do Tiquinho, a mãe do Rincón".
Eu sou um cara de rede social. Posto muito, sempre postei minha vida pessoal, coisas que eu gosto, sou muito ligado à arte e gosto de postar coisas interessantes. Não tenho uma equipe que faz as redes. Mas é um momento difícil, de muita agressividade. Sou um cara aberto, mas não sou aberto a a esse tipo. Postei duas ou três coisas no Santos e parei pela agressividade. Olhei por dois ou três dias e depois não tive mais tempo de olhar
"Eu não vou mudar nesse sentido. As minhas redes vão ser minhas. É a forma com que eu saio da bolha do futebol, sempre usei, sempre foi assim em todos os clubes e na seleção. Tenho 61 anos, já vivi muito. Posso mudar em outras coisas, mas nisso não. Não sou um cara que não aceito ideia de ninguém, intransigente, alguma coisa nesse sentido. Mas quando começa a agredir minha família, falar coisas pequenas que não são legais? Eu entro no clube e viro do clube. Não vou ser santista como o torcedor, mas trabalho para o Santos com dedicação total. Minha família ficou dois ou três dias em Santos e já voltou para o Rio de Janeiro. E eu estou aqui".