'Orgasmo espiritual': padres usam cogumelos alucinógenos em nome da ciência

Uma pesquisa feita pela Universidade Johns Hopkins e pela Universidade de Nova York deu cogumelos alucinógenos (psilocibina) a líderes religiosos dos Estados Unidos para investigar como as atitudes e o comportamento deles eram afetados pela substância.
O que aconteceu
Religiosos foram convocados por anúncios ou contato direto por parte dos cientistas. Um dos maiores obstáculos, segundo os pesquisadores, foi conseguir recrutar muçulmanos, budistas e hinduístas.
Maior parte dos submetidos ao experimento era masculina e branca. Segundo os pesquisadores, 97% dos entrevistados eram brancos, 69% eram homens e 65% de alguma religião cristã. Um dos requerimentos para participar do estudo era que essas pessoas não tivessem experiências anteriores com psicodélicos.
Eles aram por uma série de sessões preparatórias com guias. As sessões eram feitas dentro do hospital Johns Hopkins ou na Universidade de Nova York, seguindo normas "comuns" à pesquisa psicodélica moderna, explicou a publicação.
Alucinógeno era oferecido em formato de cápsula. À revista The New Yorker, o reverendo Hunt Priest afirmou que o local no qual os religiosos participavam do estudo parecia uma sala de estar, com um sofá confortável, artes nas paredes e uma pequena estátua de buda em uma prateleira.
Após consumir a pílula, o religioso coloca fones de ouvido e uma máscara para cobrir os olhos. Isso acontece para estimular a introspecção. Durante as sessões, os religiosos são acompanhados por facilitadores, que interferem pouco, mas têm autorização de compartilhar palavras de conforto caso a pessoa sinta medo durante a "viagem" de cogumelo.
Após as sessões, um questionário era aplicado. Além de responder a perguntas, eles eram convidados a descrever a experiência que tiveram. No dia seguinte, eles participavam de uma "sessão de integração", que acontecia para explicar possíveis experiências confusas.
Cientistas também ofereciam uma segunda sessão com consumo de psilocibina. Ao todo, 24 dos 29 religiosos que consumiram os cogumelos pela primeira vez voltaram para a segunda sessão.
O artigo foi revisado por pares e publicado na revista Psychedelic Medicine deste mês. Ele é assinado por Anthony Bossis e Stephen Ross, psicólogos da Universidade de Nova York.
"Falei línguas": o que relataram os religiosos
Hunt Priest descreveu o seu encontro com o divino como "erótico" e outro participante afirmou que teve um "orgasmo espiritual". Para o reverendo, grande parte da sua experiência com os alucinógenos foi religiosa, mas não necessariamente ligada à religião dele.
Eu percebi que eu estava falando em línguas, algo que eu nunca fiz antes. Não é uma coisa muito episcopal, falar línguas.
Reverendo Hunt Priest, à revista The New Yorker
"De cara com o abismo", diz capelã. Uma das líderes religiosas que não quis fazer a segunda sessão com os alucinógenos foi Rita Powell, da capelania episcopal de Harvard. Ela afirmou em uma palestra após o ocorrido que não foi preparada por nenhum dos facilitadores para algo como o que viveu, já que todos afirmavam que ela teria experiências "lindas e transformadoras".
Não havia nem cor, nem a ausência dela. Não havia forma, nem ausência de forma. Não havia medo. Não havia alegria. Não havia revelação. Não havia nada.
Rita Powell, capelã em Harvard
"Deus estava comigo o tempo todo", diz líder muçulmana. A única seguidora do Alcorão entre os membros do estudo, Sughra Ahmed, afirmou à revista que sentiu uma profunda conexão com Deus e a necessidade de nutrir o amor pelo próximo. Um padre católico do México narrou uma sensação semelhante, de que Jesus estava falando diretamente com ele.
Eu ei a sentir uma proximidade com Deus que nunca experimentei antes.
Sughra Ahmed, líder muçulmana
Alguns dos religiosos relataram o divino como uma presença feminina. Segundo o estudo, parte dos participantes classificou Deus como "maternal". Um deles, que era batista, disse que Deus se apresentou a ele como "uma mãe judia" e outro, episcopal, afirmou que se deparou com uma "desconstrução total da religião patriarcal".
Após experiência, reverendo Priest pediu demissão e fundou uma sociedade psicodélica cristã. A líder muçulmana e um rabino que participaram do estudo também fundaram organizações que têm como intuito auxiliar pessoas das suas religiões que estão interessadas em experiências psicodélicas.
Estudo tem limitações científicas
Amostra pequena de religiosos e falta de "efeito placebo" são alguns dos problemas. Um especialista em estatística da Universidade de Columbia ouvido pela The New Yorker explicou que, como todos os líderes receberam doses de cogumelo, um "efeito de expectativa" é criado, o que pode afetar a percepção deles sobre a experiência.
Falta de membros de religiões diversas e até músicas tocadas durante as sessões também podem comprometer o resultado. Um rabino que ou pelo estudo afirmou à revista americana que a linguagem usada pelos pesquisadores em questionários aplicados também mostrava uma "inclinação nitidamente cristã". Na playlist tocada durante o consumo dos cogumelos estavam músicas de Enya e corais natalinos.
Fato de que religiosos foram selecionados por anúncios ou convites pessoais também dá chance de inclinação ao estudo. Segundo o professor Rick Strassman, da Universidade do Novo México, esse método de seleção atrai religiosos "espiritualmente famintos por uma experiência mística" e afasta conservadores que não dão tanta importância à experiência espiritual.
Críticas tornaram a pesquisa alvo de inquérito institucional. Os primeiros experimentos foram feitos em 2015, mas um dos motivos para o atraso na publicação do estudo foi que o Comitê de Ética em Pesquisa da Johns Hopkins abriu uma sindicância após denúncias de "enviesamento".
O comitê reconheceu que houve descumprimento de diretrizes na participação de dois membros do estudo. T. Cody Swift, que fazia a entrevista entre os participantes, e Claudia Turnbull, que participava como facilitadora das sessões, tinham ligação direta com os doadores que patrocinaram a pesquisa. A universidade determinou que a informação sobre a ligação entre os participantes e os doadores deveria ser divulgada publicamente junto ao estudo.