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Negação coletiva de tentativa de golpe não ajuda Bolsonaro nem outros investigados, dizem especialistas

11/06/2025 06h55

Quem esperava tom bélico entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes acabou se surpreendendo com a tática do ex-presidente e mesmo com o jeito assertivo, porém paciente do magistrado. Analistas ouvidos pela RFI disseram que a negação coletiva de uma tentativa de golpe não ajuda os investigados, mas que a fala do delator também não trouxe elementos novos contra eles.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília,

Já avistando o fim do processo e de olho em provável punição, Bolsonaro foi mais comedido, pediu desculpas por ter levantado suspeita contra ministros da corte, tentou resumir tudo em críticas às urnas e até brincou com Moraes, ao convidar o ministro a ser seu vice em 2026, ao que ouviu como resposta, em meio a risos da plateia, um "declino".

Bolsonaro itiu que discutiu com integrantes das Forças Armadas a situação política do país após sua derrota nas urnas em 2022 "até para ter noção da conjuntura" e que chegou a avaliar "alternativas" para não reconhecer o resultado das urnas, mas "dentro da Constituição". Ao negar que tenha havido trama golpista, minimizou o cenário posto na época: "Falar em golpe, sem qualquer participação minha, graças a Deus eu estava fora do país, sem qualquer liderança, sem Forças Armadas, isso não é golpe".

Para o analista político e advogado Melillo Diniz, o balanço do depoimento do núcleo principal do processo que apura a tentativa de ruptura institucional foi ruim para os investigados. A repetida negativa em torno de um plano antidemocrático para impedir a posse de Lula, reduzindo a importância de reuniões, de minuta de golpe, dos acampamentos, mas apresentar algo mais concreto, não tira as suspeitas:

"Eles todos caminham sobre o fio da navalha dizendo que talvez tenha havido um debate ou outro, mas que isso não teve grandes consequências para todo o processo que levou ao 8 de janeiro. Tenho a avaliação de que o conjunto dos depoimentos piora muito a situação deles, porque nesses casos complexos, quando os argumentos dos réus são muito frágeis, não basta a falta de provas da acusação. Ao meu modo de ver, há que se provar a inocência de cada um deles. E isto ainda não aconteceu", avaliou Diniz.

Para o especialista, a atitude de Bolsonaro durante a sessão no Supremo Tribunal Federal que, cercado de dois advogados, ficou cara a cara com Moares, ilustra a apreensão pelo andar do processo. "A forma como Jair Bolsonaro escolheu para se apresentar diante do público e do STF, com jeito risonho, uma tentativa de ser leve, pedido de desculpas, algumas brincadeiras, isso demonstra em verdade poucos argumentos oferecidos pela defesa", disse o representante da consultoria Inteligência Política.

Tática militar falha

Abraçando o direito de ficar calado e não produzir provas contra si, o general Augusto Heleno se recusou a responder às perguntas de Alexandre de Moraes. A estratégia era atender apenas às indagações da própria defesa.

Mesmo assim levou bronca de seu advogado ao falar que "não havia clima" na Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, para levar adiante uma ação que produzisse relatórios falsos sobre a eleição de 2022, quando foi abruptamente interrompido por sua defesa com um "desculpa, a resposta é só sim ou não, general".

O delator

No primeiro dia de depoimento, o tenente-coronel Mauro Cid confirmou o que disse no inquérito, por vezes parecendo minimizar a importância de reuniões e encontro de seus superiores à época sobre o resultado das urnas.

Um dos destaques da fala do delator foi quanto ao dinheiro vivo que afirmou ter recebido, dentro de uma sacola de vinho, do general Braga Netto. Segundo Cid, o dinheiro foi reado a um integrante do grupo de militares denominado Kids Pretos, que estariam envolvidos na trama, inclusive em ações que miravam autoridades.

"Isso não corresponde à realidade. Eu não tinha contato com empresários, então, não pedi dinheiro e não entreguei dinheiro para ninguém. Os empresários estavam mais interessados no Bolsonaro do que em mim. Tanto é que foi pedido para abrir uma conta para a campanha dele, embora fosse da chapa", afirmou Braga Netto, único a depor de forma virtual porque está preso numa sala da Divisão o Exército no Rio de Janeiro, acusado de obstruir o trabalho de investigação.

Para o analista político e advogado Valdir Pucci, o desempenho de Mauro Cid na audiência não altera o jogo até aqui, especialmente para o ex-presidente Bolsonaro.

"Não vejo que o depoimento do delator venha a piorar ou melhorar a situação de Bolsonaro. Acho que ela continua na mesma. Mauro Cid repetiu o que já disse, com mais detalhes, inclusive, no inquérito da Polícia Federal. O que significa que, para a maioria dos ministros do STF, há evidência de que houve sim uma tentativa de golpe por parte de Bolsonaro e dos outros réus dentro desse processo", destaca Pucci.

O especialista acredita que uma eventual prisão de Bolsonaro, caso seja condenado, só se dará após esgotados os recursos, mas que o processo caminha com agilidade. "É bem provável que nós tenhamos a conclusão deste processo, deste núcleo central, ainda este ano."

Ritmo que foi comentado pelo próprio Alexandre de Moraes, demonstrando o clima ameno que perdurou nos depoimentos. "Quero agradecer a cada um dos advogados pela tranquilidade, pela lhaneza que conseguimos imprimir nesses dois dias. E dizer que cumpri a minha promessa, amanhã todos vão poder tomar um belo brunch. Na quinta-feira, Dia dos Namorados, um belo jantar e, na sexta, dia de Santo Antônio, não sei se aqui fala quermesse ou festa junina. Foi bom que nós já conseguimos encerrar essa audiência de instrução."

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