Taxar LCI e LCA aumenta tributos e afeta agro e moradia, dizem analistas

A tributação de investimentos hoje isentos de imposto de renda, como a LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e a LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), vai torná-los menos atrativos ao investidor, e pode encarecer atividades do agronegócio e do setor imobiliário, beneficiados por esses instrumentos. A medida também não representa corte de gastos, mas sim um aumento de tributos, dizem analistas. Entenda o que muda para a economia, para o investidor e para o governo com a medida estudada pelo Ministério da Fazenda.
Qual o impacto para a economia?
Governo discute a possibilidade de taxar investimentos em 5%. No domingo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, citou a taxação de LCIs e LCAs como uma das propostas na mesa para substituir o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Essas aplicações, hoje isentas de imposto de renda, seriam taxadas em 5%.
Taxação encarece crédito e pode afetar preços de alimentos e da construção civil. Os analistas são unânimes em destacar que a taxação vai encarecer a tomada de recursos para o agronegócio e o setor imobiliário, que antes eram beneficiados pela isenção. "Vai aumentar o custo da construção, do Minha Casa Minha Vida, tem impacto nos alimentos. É uma medida que onera a cadeia produtiva e esse custo vai chegar na ponta", diz Gilberto Braga, professor de Pós-Graduação em Finanças do Ibmec.
Medida reduz assimetrias entre tipos de investimentos, o que pode favorecer outros setores da economia. Por outro lado, a medida pode tornar outros investimentos mais interessantes ao investidor, e beneficiar empresas de outros setores que não tinham o a esses instrumentos isentos de imposto para atrair investidores, diz Otávio Borsato, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados.
Para setores como indústria e serviços, pode ser que seja positivo, porque esse dinheiro vai para algum lugar. Deixa os setores da economia em níveis ainda não semelhante, mas mais próximos de competitividade.
Otávio Borsato, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados
Tema é uma demanda histórica do mercado financeiro. Em nota divulgada ontem, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) disse que a tributação de LCIs e LCAs "segue em linha com uma defesa histórica da associação, em favor da redução das assimetrias entre diferentes produtos de investimento".
Entidades do agronegócio e do setor imobiliário se manifestaram contra a medida. Em nota, a CNA (Confederação Nacional do Agronegócio) disse que a proposta de Haddad "impacta diretamente a disponibilidade de funding para o crédito rural". Em nota conjunta, quatro entidades do setor imobiliário disseram que a medida "afetará diretamente o financiamento da casa própria".
Qual o impacto nas contas públicas?
Medida não é corte de gastos, e sim aumento de imposto. Analistas ressaltam que a medida proposta não corta gastos e não é um ajuste estrutural nas contas públicas. "As mudanças estruturais mencionadas ficaram de fora, por conta da resistência para mexer em benefícios. Não há corte de despesas, e sim um deslocamento de como vai ser feito o ajuste fiscal", diz Braga, do Ibmec.
Impacto da medida não virá em 2025. Uma diferença importante em relação ao aumento do IOF é que a tributação de LCI e LCA só poderá valer em 2026. Com isso, fica a dúvida de como será coberta a necessidade de recursos em 2025.
Medida precisa de aprovação no Congresso. Outro ponto relevante é que, enquanto o aumento do IOF ocorreu via decreto, a taxação da LCI e da LCA deve ocorrer por Medida Provisória, que necessita de aprovação no Congresso. "Isso envolve uma negociação mais complexa, na medida em que haverá necessidade de comprometimento da Câmara e do Senado", diz Braga.
Como fica para o investidor?
Taxação será uma revolução no mercado. Há a possibilidade de que a taxação atinja outras modalidades de investimento também isentas, como CRIs, CRAs e debêntures incentivadas. Se isso de fato ocorrer, será "uma revolução", diz Borsato, do Barcellos Tucunduva Advogados. "O investidor sempre se acostumou a ter todo o spread da operação com esses títulos. Agora vai ter que fazer conta", diz.
Pode ocorrer migração de recursos para outros investimentos. Com a taxação, esses investimentos precisarão ficar mais atrativos ao investidor, caso contrário ele poderá decidir colocar seu dinheiro em outro lugar. "Isso pode fazer com que os recursos destinados hoje para o setor imobiliário e para o agronegócio migrem para outros investimentos", diz Borsato.
Há dúvidas sobre quando começaria a valer a taxação e quem será taxado. Pela lei, se aprovada em 2025, a cobrança só poderá ocorrer em 2026. Mas não se sabe, por exemplo, como ficariam os títulos emitidos entre a publicação da medida e o início de 2026.
Outro ponto é saber se haverá tributação para títulos adquiridos antes da lei, mas ainda não vencidos. "Isso só vai funcionar para aplicações novas? Se eu tenho uma LCI que vai vencer em 2027, tenho risco de tributação? Isso pode levar a uma corrida de pessoas querendo se desfazer desses títulos", diz Everton Lazaro da Silva, advogado tributarista do Rayes e Fagundes Advogados Associados.