Longe da TV, Beth Goulart reflete sobre morte dos pais: 'A raiva faz lutar'
Depois de dez anos, Beth Goulart, 62, volta aos palcos com a premiada "Simplesmente Eu, Clarice Lispector" —peça está em cartaz no Rio de Janeiro até 22 de junho. Em bate-papo com Splash, a atriz falou sobre o amadurecimento que teve nessa década marcada pela morte dos pais, os atores Paulo Goulart e Nicette Bruno, e pela pandemia.
Família, espiritualidade e luto
Beth estreou no teatro aos 13 anos e na TV aos 14, com dois grandes exemplos em casa: os pais, nomes que marcaram a dramaturgia brasileira. "O mundo tem um sentimento pela minha mãe, por exemplo, de 'mãe do Brasil'. [As pessoas dizem:] 'Meu pai era parecido com o seu pai'... [Nossa família] ou a ser uma referência positiva, amorosa, de espiritualidade, de pessoas boas que vivem e acreditam na vida como uma oportunidade de fazer o bem."
Paulo Goulart morreu em 2014, aos 81 anos, em decorrência de um câncer renal, enquanto Nicette Bruno faleceu em 2020, aos 87, vítima de complicações da covid-19. "Quando você perde mãe e pai, você é confrontada com sua singularidade no mundo. Não tem mais retaguarda, você a a ser referência para os outros. Isso te provoca, sim, mais maturidade e responsabilidade com quem você é, seus valores e o que você quer deixar como legado."
A morte te leva a olhar a vida com outros olhos. O filósofo Marco Aurélio diz isso. Você tem que viver como se fosse o último dia da sua vida. Viva o máximo hoje, porque talvez amanhã você vá embora.
Seguida por mais de 1,6 milhão de fãs no Instagram, Beth conta que as redes ajudaram a viver o luto. Ela conta que intensificou sua participação nas redes a partir da doença da mãe, justamente porque as pessoas queriam saber notícias da atriz. "Eu falei: 'Bem, se eu for falar para cada um, eu não vou sair do telefone'. Quando a inevitabilidade da partida se consolidou, virou uma comoção nacional. As pessoas estavam comigo. Cada o do meu processo de superação da morte dela foi vivenciado."
No auge da pandemia, a atriz sentia que precisava falar sobre a morte da mãe, espiritualidade e fé. E usou as redes para isso. Segundo ela, a dor, naquele momento, era coletiva, e ela deveria auxiliar as pessoas nesse processo. Aos poucos, ela foi se soltando, ganhando força e conquistando mais seguidores. "Nada é à toa ou por acaso. Não é à toa que nasci nessa família, não é à toa que as perdas aconteceram dessa forma", afirma Beth, que resumiu como um "luto coletivo".
Existe uma lógica por trás de tudo que vivemos, que não temos o, mas nós somos reféns dessa lógica para que possamos servir a essa coletividade. Nós, figuras públicas, temos essa responsabilidade. A nossa fala atinge muitas pessoas. Que nós possamos usar isso para o bem. Essa é a força do teatro, da televisão, do cinema.
"Simplesmente Eu, Clarice Lispector"
Entre 2009 e 2014, mais de 1,2 milhão de pessoas assistiram ao espetáculo em quase 300 cidades brasileiras. Seguindo o lema de que o artista tem que ir onde o povo está, a atriz ou até por cidades onde não havia teatro e se apresentou mesmo assim.
Criado, dirigido e encenado por Beth, o espetáculo foi pensado a partir de depoimentos, entrevistas e correspondências de Clarice Lispector, além de fragmentos de obras emblemáticas. Beth entrelaça a autora às vozes de quatro personagens femininas, que representam diferentes momentos da vida e do pensamento de Clarice.
Há dez anos, Clarice tinha uma certa áurea de inatingível, como se fosse uma autora num pedestal. Minha intenção inicial era aproximar a mulher Clarice Lispector das pessoas. Olhar o magnífico da vida no mais simples da vida. Para isso, eu precisei começar pelo lado humano dela, apresentando o ser humano, a mulher Clarice por trás da autora. Depois, apresentar sua obra magistral para as pessoas. Essa ponte estabelecida pelo espetáculo aproximou muitas pessoas da obra de Clarice.
O espetáculo faz Beth pensar sobre a própria vida, a maternidade —Beth é mãe de João Gabriel Carneiro, 43—, os motivos para seguir adiante e até sobre o papel da raiva em nossos conflitos. "O impulso da raiva é indignação com as coisas que não vão bem no mundo. Temos que sentir a dor do outro, a miséria nos impacta. A raiva é um sentimento potente que nos faz lutar... Todo artista tem que dar voz à sua indignação."
Saudade da TV
A atriz está longe dos folhetins desde 2021, quando participou de "Gênesis", na Record. Na Globo, onde ou 30 anos de sua carreira, sua última novela foi "Três Irmãs", em 2008. "Estou com saudade. Gosto muito de fazer televisão, mas ela também está ando por processos de transformação, não é? A linguagem vai se transformando inevitavelmente, não podemos controlar um processo de mudança. A televisão está indo em busca de novidades. E estamos aqui, será maravilhoso se houver oportunidade."
A nossa carreira não é conduzida só por nós. É uma série de coisas: convites que surgem, oportunidades que aparecem... Aí, vamos fazendo as nossas escolhas. Aliás, hoje em dia, com as redes sociais, ganhamos uma independência grande da nossa própria imagem. Eu tenho um conteúdo independente de onde estiver trabalhando como atriz... Temos que fazer acontecer, não pode ficar de braços cruzados esperando alguém bater na nossa porta.
Serviço - Simplesmente Eu, Clarice Lispector
Temporada: até 22 de junho de 2025
Horários: sexta e sábado às 20h, domingos às 19h
Endereço: Teatro Clara Nunes (Rua Marquês de São Vicente 52 - Loja 370, Shopping da Gávea)
Ingressos: a partir de R$ 60 (via Eventim)