Pecuária sustentável: tecnologia no pasto reduz emissões de metano

Uma fazenda no interior de São Paulo é um exemplo de que, com tecnologia e pesquisa, é possível diminuir as emissões de metano no país.
A Fazenda Santa Silvéria, em Piratininga (SP), abriga cerca de 1.600 cabeças de gado em seus 1.200 hectares. Desde 2012, a propriedade promove o ILP, sistema integração lavoura-pecuária.
A técnica implica na rotação de atividades agrícolas e pecuárias em uma mesma área, com objetivo de aumentar a produtividade e reduzir o impacto ambiental. A lavoura e os pastos bem manejados sequestram carbono da atmosfera, compensando as emissões de metano do gado.
Fulvio Domeneck, médico-veterinário e gerente geral da Santa Silvéria, conta que resolveu implantar o sistema ILP para recuperar terras e pastagens degradadas e promover receita através da inclusão de mais uma cultura.
"Ao fazermos agricultura de soja e sorgo nas áreas em que precisamos recuperar as pastagens, conseguimos aumentar os níveis de produtividade com baixos ou quase nenhum nível de suplementação. Isso diminui nosso custo. E produzimos mais, preservando o meio ambiente", diz.
Com a melhora na qualidade do pasto, o gado da fazenda também tem engordado mais rápido, permitindo um abate mais precoce, que também reduz as emissões de metano da propriedade.
"Há quinze anos, o ciclo de produção de pecuária de corte no Brasil era de, em média, quatro anos (48 meses). Hoje, com as novas tecnologias, esse ciclo é de 30 a 36 meses", diz Alexandre Berndt, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste. "Ou seja, conseguimos, atualmente, no Brasil, ter cerca de 25% menos emissões produzindo a mesma quantidade de carne", completa.
Em busca de equilíbrio
Dono do maior rebanho comercial bovino do mundo, com cerca de 224 milhões cabeças de gado, o Brasil é o quinto maior emissor de metano (CH4) do planeta Terra. Estudo do Observatório do Clima aponta que, no país, 75% das emissões são oriundas da agropecuária - setor que mais emite o CH4.
Considerado um dos causadores do aquecimento global, o metano tem 28 vezes mais potencial de esquentar o planeta em cem anos do que o dióxido de carbono (CO2), o maior causador da crise climática.
"Ao interagir com a luz solar, o metano contribui para a geração do ozônio (O3) troposférico", explica Gabriel Quintana, analista de ciência do clima do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).
"Nas camadas mais baixas da atmosfera, o O3 tem efeitos nocivos sobre a qualidade do ar e a saúde humana, ele afeta a respiração, o equilíbrio de ecossistemas e a produção agrícola", completa.
Boa parte das emissões de metano vem da pecuária. Elas são provenientes da fermentação entérica - processo de digestão dos animais, principalmente a eructação bovina, famoso "arroto de boi" - e do manejo e disposição final dos dejetos dos animais.
Em seguida, respondendo por apenas 2% das emissões da agropecuária está a atividade agrícola com o arroz irrigado, que emite metano devido à decomposição anaeróbica da matéria orgânica do vegetal em ambiente irrigado.
Ciência como aliada
Além do sistema ILP, usado na Fazenda Santa Silvéria, o Brasil dispõe de várias outras alternativas para diminuir as emissões de metano.
"É crescente o número de pecuaristas adotando técnicas de melhoramento do pasto, na finalidade de produzir capim mais facilmente digerível para que o gado atinja mais cedo o peso para o abate. Além disso, já temos aditivos que promovem um melhor desempenho da fermentação ruminal do animal, com o objetivo de reduzir a geração de metano", diz Flávio Portela Santos, engenheiro-agrônomo e professor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo).
Uma pesquisa da FZEA (Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP) em parceria com a Embrapa, com o gado da raça nelore, mostrou que óleos essenciais de tomilho e orégano adicionados a ração de ruminantes podem diminuir a produção de gás metano emitido por eles.
Outro artigo publicado na revista científica Agronomy, em 2020, revelou que a altura do capim oferecido ao gado também pode influenciar na quantidade de metano que o animal gera. A pesquisa mostra que, se o capim cresce e a do ponto, ele pode ficar excessivamente fibroso, refletindo em um aumento na produção de CH4.
"A agropecuária brasileira dispõe de uma série de métodos para redução de metano tanto em termos absolutos (de quantidade de emissão) quanto em intensidade (quando se leva em consideração as emissões por quilograma ou litro de produto obtido), o que permite conciliar o aumento de produtividade com a mitigação de gases do efeito estufa (GEE)", afirma Gabriel Quintana, analista de ciência do clima do Imaflora.
Para emissões de metano oriundas do manejo de dejetos de animais, a estratégia mitigadora que mais tem sido adotada é a substituição de sistemas de tratamento de dejetos menos eficientes por tecnologias mais eficientes, como biodigestores.
Alternativas na produção de arroz
No Brasil, cerca de 92% da produção de arroz é feita pelo sistema irrigado - modelo de produção que também emite metano.
Segundo Walkyria Bueno Scivittaro, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, a emissão acontece pela decomposição anaeróbica da matéria orgânica em sistemas irrigados, onde ocorre a inundação do solo.
"A quantidade emitida de metano está vinculada ao tamanho da área cultivada, assim como o tempo e tipo de irrigação, além da forma de preparo do solo antes do seu cultivo", explica a pesquisadora.
Scivittaro ressalta que existem três processos principais envolvidos com a emissão de CH4 para a atmosfera: na forma de bolhas de ar (ebulição), por difusão molecular, através da superfície do solo e da água e pelo aerênquima (tecido vascular) das plantas.
Entre as estratégias de mitigação das emissões de CH4 do cultivo de arroz, estão sistemas alternativos, como a irrigação por inundação intermitente, irrigação por sulco e aspersão, até redução no período de irrigação do arroz e diminuição da altura da lâmina de água.
"Essas estratégias são associadas a identificação de variedades de arroz adaptadas aos sistemas alternativos e práticas para economizar água já testadas, com uma redução nas emissões de CH4 de 30 % a mais de 70%", diz Scivittaro.
A redução nas operações de preparo do solo (cultivo mínimo) e a antecipação do preparo para o outono (preparo antecipado) constitui-se em outra estratégia para emitir menos CH4 na lavoura de arroz, gerando uma redução média de 30% em relação ao preparo convencional.
"Da mesma forma, a diversificação de culturas, com a inserção de cultivos de sequeiro em rotação ao arroz irrigado tem grande potencial para reduzir as emissões de CH4 do arroz cultivado em sucessão, dado que melhora a drenagem do solo e aumenta o período em que esse é mantido oxidado", ressaltou Scivittaro.
Pesquisadores também apontam que a adequação da fertilização nitrogenada mineral, estabelecendo doses que otimizem o rendimento de grãos, métodos de aplicação e fontes que minimizem perdas também tem potencial para reduzir as emissões de CH4 do cultivo de arroz.
Quais são os desafios?
O empenho para descarbonizar a agropecuária brasileira não é de hoje. Há pelo menos trinta anos, centros de pesquisa do Brasil têm se dedicado em encontrar formas capazes de reduzir as emissões de metano no setor.
Algumas das técnicas descobertas vêm ajudando o Brasil a tornar sua agropecuária mais sustentável. Outras, porém, ainda precisam ultraar os muros dos centros de pesquisa e chegar à população como políticas públicas.
Uma das estratégias que mais obteve sucesso nos últimos anos foi a de proibir a queima da palha da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Desde 2002, a Lei Estadual n. 11.241 permite a colheita da cana apenas de forma mecanizada no estado.
As queimadas são responsáveis por emitir, além do metano, outros gases nocivos na atmosfera, como o gás carbônico (CO2), o monóxido de carbono (CO) e o óxido nitroso (N2O).
Outra iniciativa que buscou reduzir ainda mais as emissões de metano foi a criação, em 2010, pelo governo federal, do Plano ABC - Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. O projeto foi instituído com o objetivo de levar tecnologias sustentáveis e produtividade para os produtores rurais do Brasil.
Durante o primeiro decênio do Plano ABC, o programa liberou R$ 32,27 bilhões para o financiamento de tecnologias ABC. Agora, espera-se que até 2030, ele possa ajudar o Brasil a expandir o sistema ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta) em mais 10 milhões de hectares, para que assim cerca de 23% de hectares de área plantada no Brasil tenham o sistema de rotação.
"O Brasil já tem um portfólio de tecnologias bastante desenvolvido para reduzir as emissões de metano. O desafio principal agora é que essas informações cheguem aos produtores", diz Alexandre Berndt, da Embrapa.