Quais as denúncias contra cada réu que depõe nesta semana na trama golpista
O STF começa a ouvir hoje os réus do chamado "núcleo crucial" da trama golpista, composto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete. Todos são acusados de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Se condenados, as penas somadas para cada um podem chegar a 46 anos de prisão.
A PGR (Procuradoria-Geral da República), autora da denúncia, explicou que o núcleo crucial da trama é composto por integrantes do alto escalão do governo e das Forças Armadas. Deles teriam partido as principais decisões para tentar manter Bolsonaro no poder depois da derrota nas eleições de 2022. Integram o grupo:
- Alexandre Ramagem (deputado e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência);
- Almir Garnier (ex-comandante da Marinha);
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça);
- Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional);
- Jair Bolsonaro (ex-presidente da República);
- Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência e delator);
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa);
- Walter Braga Netto (general da reserva e ex-ministro da Casa Civil).
Veja o que diz a denúncia sobre a participação de cada um deles, em ordem alfabética:
Alexandre Ramagem
Diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) entre 2019 e 2022, é apontado como um dos responsáveis pela estratégia de ataque às urnas eletrônicas. A PF encontrou documentos vinculados a Ramagem que davam argumentos a Bolsonaro para lançar dúvida sobre o processo eleitoral e para usar a AGU (Advocacia-Geral da União) para descumprir eventuais decisões do STF que o contrariassem.
Para deflagrar o plano criminoso, JAIR MESSIAS BOLSONARO contou com o auxílio direto de AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA, Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) à época, e ALEXANDRE RAMAGEM RODRIGUES, Delegado de Polícia Federal e então Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. As investigações revelaram o importante papel dos dois denunciados na construção e direcionamento das mensagens que aram a ser difundidas em larga escala pelo então Presidente.
Dentre os arquivos digitais a ele [Ramagem] vinculados, localizou-se o documento intitulado ''Presidente TSE informa.docx'', que apresentava uma série de argumentos contrários às urnas eletrônicas, voltados a subsidiar as falas públicas de JAIR MESSIAS BOLSONARO.
O documento do tipo ''nota'', intitulado ''PR Presidente'', com metadados de criação em 5.5.2020 e modificação final em 21.3.2023, continha orientações de ALEXANDRE RAMAGEM a JAIR MESSIAS BOLSONARO sobre temas e eventos variados ocorridos durante o mandato presidencial. No extenso arquivo, além de novas anotações contrárias às urnas eletrônicas e favoráveis à intervenção das forças armadas , foi identificada a sugestão de que o Presidente se utilizasse da estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU) para emitir atos que tornassem devido o descumprimento, pela Polícia Federal, de ordens judiciais que desagradassem o grupo. A estratégia serviria para anular decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal contrárias aos interesses de JAIR BOLSONARO.
Almir Garnier
Garnier foi o comandante da Marinha entre abril de 2021 e dezembro de 2022. Ele teria concordado com as propostas golpistas discutidas com Bolsonaro e dito que sua tropa estava à disposição do ex-presidente para desrespeitar o resultado das urnas.
Embora o General Freire Gomes e o Tenente-Brigadeiro Baptista Junior se tenham posicionado contra o Golpe de Estado concebido pela organização criminosa, o Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS e o General PAULO SERGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA a ele aderiram. [...] O então Comandante da Marinha se colocou à disposição de JAIR BOLSONARO para seguir as ordens necessárias ao cumprimento do Decreto
A adesão de ALMIR GARNIER SANTOS também é percebida pelas ofensivas que a organização criminosa ou a dirigir ao General Freire Gomes e ao Tenente-Brigadeiro Baptista Junior. Ambos se tornaram alvos de ataques pessoais em virtude da oposição ao intento golpista. Já o Almirante ALMIR GARNIER SANTOS via-se enaltecido, retratando-se o seu apoio ao golpe como atitude de um verdadeiro patriota.
BRAGA NETTO enviou mensagem ao militar da reserva AILTON GONÇALVES MORAES BARROS, orientando-o a atacar o Tenente-Brigadeiro Baptista Junior e elogiar o Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS: "Senta o pau no Batista Junior. Povo Sofrendo, arbitrariedades sendo feita e ele fechado nas mordomias. Negociando favores. Traidor da patria. Dai pra frente. Inferniza a vida dele e da família (?) Elogia o Garnier e fode o BJ".
Anderson Torres
Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, era o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal em 8 de janeiro de 2023. Ele chegou a ser preso em 2023, acusado de omissão, mas recebeu liberdade provisória quatro meses depois. Foi na casa dele que a PF encontrou um rascunho de um decreto que oficializaria o golpe de Estado, chamado de minuta. Torres, como comandante da pasta da Justiça, também teria concordado com o plano da PRF (Polícia Rodoviária Federal) de fazer blitze em estradas nos dias das eleições para dificultar a chegada da população às urnas, principalmente na região Nordeste.
Na condição de Ministro da Justiça e Segurança Pública, contribuiu para a propagação de notícias inidôneas sobre o sistema eletrônico de votação, ao discorrer sobre possíveis recomendações sugeridas por peritos da Polícia Federal quanto ao processo de contabilização de votos.
As investigações revelaram, ainda, reunião, de 19.10.2022, em que estavam presentes ANDERSON TORRES e SILVINEI VASQUES, para tratar do policiamento direcionado, a ser posto em execução quando do segundo turno das eleições de 2022.
Os ex-Comandantes do Exército e da Aeronáutica mencionaram, por exemplo, reuniões com a participação de ANDERSON GUSTAVO TORRES, em que foi debatida a utilização de instrumentos como Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e Estado de Defesa. Segundo os depoentes, ANDERSON TORRES apresentava fundamentos jurídicos para adoção de tais medidas, se houvesse a do Decreto. [...] A apreensão da minuta do golpe, intitulada "Minuta de Decreto, sem número, de Estado de Defesa" no endereço de ANDERSON TORRES, afasta dúvida sobre a natureza dolosa da omissão dos denunciados.
Ao não cumprirem seus deveres [como secretário de Segurança Pública do DF durante o 8 de janeiro], fizeram uma escolha consciente por agir em prol da ruptura institucional. Os atos omissivos não foram meramente falhas de execução, mas decisões voluntárias que impactaram diretamente a segurança e na integridade do processo democrático, a serviço dos interesses da organização criminosa com a qual estavam implicados.
Augusto Heleno
General da reserva e ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de Bolsonaro, Heleno seria o chefe de um "gabinete de crise pós-golpe". A PF encontrou documentos na casa dele orientando Bolsonaro a fabricar discursos contra as urnas e pedindo a "prisão em flagrante" de policiais que cumprissem ordens judiciais que contrariassem o grupo. Além disso, a Abin, subordinada ao GSI, teria sido aparelhada pelo governo de Bolsonaro para espionar desafetos e espalhar mentiras sobre o processo eleitoral.
Encontrados na residência de AUGUSTO HELENO, foram identificadas anotações manuscritas, sobre o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas.
As diretrizes e os argumentos preparados por AUGUSTO HELENO guardavam perfeita sintonia com o material encontrado na posse de ALEXANDRE RAMAGEM. As anotações previam a "prisão em flagrante" da autoridade policial "que se [dispusesse] a cumprir" as decisões judiciais que a organização criminosa qualificasse como manifestamente ilegais. AUGUSTO HELENO, ainda, pontuava: "quem executar a ordem ilegal comete crime de responsabilidade".
A ABIN se encontrava formalmente subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, chefiada pelo General AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA, que tinha pleno domínio sobre as ações clandestinas realizadas pela célula.
Jair Bolsonaro
Bolsonaro é acusado de liderar toda a organização, montada para mantê-lo no poder mesmo depois da derrota nas eleições de 2022. Segundo a PGR, o ex-presidente fez vários discursos para desacreditar o processo eleitoral e desgastar a imagem das instituições junto à população, coordenar ações de interferência das eleições, como as blitze da PRF, além de conhecer o plano "Punhal Verde e Amarelo", que previa o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por JAIR MESSIAS BOLSONARO, baseada em projeto autoritário de poder.
A possibilidade de derrota no pleito vindouro fez com que a organização criminosa se antecie, escalando os ataques às urnas eletrônicas, a fim de lhes desgastar a idoneidade perante a população, preparando os ânimos para movimentos de rebeldia contra os resultados negativos para o grupo.
O aumento progressivo da agressividade nos discursos de JAIR MESSIAS BOLSONARO integrava a execução de seu plano de dissolvência das estruturas democráticas. O Presidente da República sabia que a ruptura institucional não dispensaria o recurso da força, para o quê a população haveria de estar disposta. Daí que, além de incitar publicamente as Forças Armadas, ou a atacar dolosamente alvos específicos, representantes das instituições democráticas que lhe poderiam enfrentar.
Na mesma data em que houve a publicação tardia do Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação do Ministério da Defesa (que deveria ter sido apresentado antes do segundo das eleições), foi criado e impresso, nas dependências do Palácio do Planalto, o plano denominado "Punhal Verde Amarelo", para apresentação a JAIR MESSIAS BOLSONARO e seu endosso. O discurso encontrado na sala de JAIR MESSIAS BOLSONARO reforça o domínio que este possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados - a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força.
Mauro Cid
Mauro Cid é ex-ajudante da Presidência e autor da delação que ajudou a embasar a denúncia da PGR. Cid teria sido o porta-voz do ex-presidente na trama golpista, participado das reuniões do plano "Punhal Verde e Amarelo" e recebido informações sobre o monitoramento paralelo da Abin de autoridades como o ministro do STF Alexandre de Moraes.
MAURO CÉSAR BARBOSA CID, embora com menor autonomia decisória, também fazia parte desse núcleo, atuando como porta-voz de JAIR MESSIAS BOLSONARO e transmitindo orientações
aos demais membros do grupo.
[Em] reunião realizada em 12.11.2022, na residência funcional do General WALTER SOUZA BRAGA NETTO, com a presença de RAFAEL MARTINS DE OLIVEIRA, HÉLIO FERREIRA LIMA e MAURO CÉSAR BARBOSA CID, onde os denominados "kids pretos" debateram as ações clandestinas enfeixadas sob o nome "Copa 2022", destinadas a neutralizar o Ministro Alexandre de Moraes, nos moldes previstos pelo plano "Punhal Verde Amarelo".
Verificou-se, ainda, a intensificação do monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes após o encontro no Palácio do Planalto. Em 7.12.2022, MAURO CÉSAR BARBOSA CID e MARCELO CÂMARA trocaram mensagens, via aplicativo WhatsApp, sobre o paradeiro do Ministro, confirmando que o grupo perpetuava o uso desviado das ferramentas estatais de Inteligência - a denominada "ABIN paralela".
Paulo Sérgio Nogueira
Paulo Sérgio Nogueira foi ministro da Defesa do governo Bolsonaro. De acordo com as investigações, ele atuou para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderir ao plano golpista de manter Bolsonaro no poder e impedir a posse de Lula. A PF concluiu que a trama não vingou porque os chefes do Exército e da Aeronáutica se recusaram a aderir à proposta.
O general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira ficou encarregado de apresentar a nova versão do decreto golpista aos chefes militares. O tenente-brigadeiro Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, confirmou ter sido convocado pelo general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira para uma reunião no Ministério da Defesa na manhã do dia 14.12.2022, com os comandantes das demais forças militares. O depoente ratificou as informações prestadas por Mauro Cid e confirmou que o então ministro da Defesa apresentou aos comandantes a minuta de um decreto presidencial.
O tenente-brigadeiro [..] relatou ter perguntado ao ministro da Defesa se o decreto previa "a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito", momento em que este permaneceu em silêncio, evidenciando que havia uma ordem impedindo a posse do novo governo.
Um Ministro da Defesa não convoca Comandantes das 3 Armas ao seu gabinete e lhes apresenta um projeto de decreto do tipo em apreço senão por um de dois motivos para concitá-los a medidas drásticas contra o Presidente da República proponente da quebra da normalidade constitucional ou para se expor favoravelmente à adesão ao golpe. A segunda hipótese foi a que se confirmou.
Walter Braga Netto
Walter Braga Netto foi ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro. A investigação o aponta como coordenador-geral do gabinete de crise pós-golpe. Além disso, ele teria aprovado e financiado o plano "Punhal Verde e Amarelo", para matar Lula, Alckmin e Moraes.
O colaborador entrou em contato com o General Braga Netto, agendando uma reunião. Essa reunião ocorreu no dia 12 de novembro de 2022, na casa do General Braga Netto, com a participação do próprio colaborador, do Coronel Oliveira e do Coronel Ferreira Lima. Na reunião se discutiu novamente a necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, permitindo, assim, que o Presidente assinasse o estado de defesa, estado de sítio ou algo semelhante.
A expectativa era a de que a Operação criasse comoção social capaz de arrastar o Alto Comando do Exército à aventura do golpe. Em execução inicial da operação, foram levadas a cabo ações de monitoramento dos alvos de neutralização, o Ministro Alexandre de Moraes e o Presidente eleito Lula da Silva. O plano contemplava a morte dos envolvidos, itindo-se meios como explosivos, instrumentos bélicos ou envenenamento. No dia 15 de dezembro de 2022, os operadores do plano, com todos os preparativos completos, somente não ultimaram o combinado, por não haverem conseguido, na última hora, cooptar o Comandante do Exército.
O General Braga Netto entregou o dinheiro que havia sido solicitado para a realização da operação. O dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. O General Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do agronegócio.
*Com informações de reportagem publicada em 27/3/2025.