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Após ataques a Moraes, Bolsonaro surge comedido e contradiz Cid e generais

do UOL

Do UOL, em São Paulo

10/06/2025 16h44Atualizada em 11/06/2025 09h27

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se apresentou comedido e negou envolvimento com qualquer tentativa de golpe ao ser interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes, no STF (Supremo Tribunal Federal).

O que aconteceu

Comportamento de Bolsonaro hoje destoa de postura adotada em outras ocasiões. Moraes é alvo frequente de ataques do ex-presidente em eventos públicos e seria preso caso o golpe fosse concretizado, como afirmou seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, em depoimento ontem.

Cid contou ontem que ex-presidente editou a minuta. Segundo Cid, Bolsonaro deu uma "enxugada" no documento que respaldaria a manobra de evitar a eleição de Lula. A minuta prévia, inicialmente, a prisão de vários ministros do STF. Depois da "edição" feita pelo ex-presidente, ficaria certo apenas a prisão de Alexandre de Moraes.

Um dia após situação ser mencionada, ex-presidente sugeriu a Moraes que fosse seu vice em 2026. A piada veio justamente num dos momentos em que Bolsonaro repetia que sempre agiu dentro das normas enquanto esteve na presidência. Após a brincadeira, o ministro do STF prontamente declinou o convite. Bolsonaro está inelegível e não pode concorrer a cargo eletivo em 2026.

Minuta foi minimizada por Bolsonaro. "Não procede o enxugamento", afirmou Bolsonaro sobre depoimento dado por Cid. Ele itiu, no entanto, que viu a minuta, mas minimizou o documento. Disse que o texto tinha "apenas os considerandos" e que foi exibido numa TV durante reunião, "de forma bastante rápida".

No ado, Bolsonaro já chamou Moraes de "canalha". A ofensa foi proferida durante ato em 7 de setembro de 2021 na avenida Paulista. "Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixe de oprimir o povo brasileiro", disse à época o então presidente.

Constituição foi exaltada pelo ex-presidente. Durante o interrogatório, Bolsonaro procurou se mostrar alinhado com a Constituição - entrou com um exemplar e o mostrou para Moraes em mais de uma ocasião para dizer que fazia tudo dentro das "quatro linhas da Constituição".

Bolsonaro pediu desculpas a Moraes por acusá-lo de receber dinheiro. "Não tem indício nenhum, ministro", afirmou ele hoje. Em julho de 2022, o ex-presidente disse que os ministros do STF Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Barroso recebiam milhões de dólares - o que desmentiu hoje. "Me desculpem, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três", afirmou hoje Bolsonaro.

Contradições marcam interrogatório

Bolsonaro diz que não recebeu voz de prisão de ninguém. A fala se deu em resposta a uma pergunta do ministro Luís Fux, que quis saber se o ex-presidente chegou a receber voz de prisão de algum general e faz alusão à declaração atribuída ao general Freire Gomes, então comandante do Exército.

Assunto teria sido levantado por Freire Gomes. De acordo com o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, Freire Gomes teria ameaçado prender Bolsonaro em caso de golpe. Segundo Bolsonaro, não houve voz de prisão e nem mudança dos nomes à frente das Forças Armadas em função do alinhamento à tentativa de golpe, que ele diz que não aconteceu.

Diante de Moraes, Bolsonaro disse que "golpe é abominável". O ex-presidente, porém, participou de "brainstorm" sobre prisão de autoridades, segundo oficiais-generais. No interrogatório de hoje, Bolsonaro afirmou que em nenhum momento pensou "em fazer algo ao arrepio da lei ou da Constituição".

Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil começar. O after day que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia ar por uma experiência dessa. E não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe no meu governo. Jair Bolsonaro, ex-presidente da República

Reunião com comandantes debateu golpe. Em depoimento ao STF no dia 3 de junho, Freire Gomes itiu participação em uma reunião em novembro de 2022 na qual foi discutida a minuta do golpe, que previa a prisão de ministros do STF e outras medidas. As mesmas informações também foram confirmadas pelo brigadeiro Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica.

Ex-ministro da Defesa diz que viu versão do documento em reunião com presença do ex-presidente. "Tive contato no dia 7 de dezembro, numa projeção de considerandos, em uma reunião com o presidente Bolsonaro. Depois, nada de minuta de golpe", afirmou o general Paulo Sérgio Nogueira durante seu interrogatório, realizado logo após a fala de Bolsonaro.

Ex-presidente itiu que cogitou decretar estado de sítio. A ideia teria surgido depois que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitou o pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno. O partido foi multado em R$ 22,9 milhões por má-fé ao questionar o resultado das eleições."Sobrou para gente buscar uma alternativa na Constituição", disse Bolsonaro.

Estado de sítio, porém, foi minimizado no depoimento. Bolsonaro tratou o tema como se fosse uma conversa corriqueira entre os integrantes do seu governo.

Pressão para mudar relatório sobre urnas eletrônicas

"Não me lembro de ter agido dessa maneira", disse Bolsonaro sobre interferência em relatório sobre urnas. A fala do ex-presidente vai na contramão do que disse ontem Mauro Cid.

Bolsonaro teria pressionado para que relatório saísse com termos mais duros em relação a urnas eletrônicas. De acordo com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o texto do general Paulo Sérgio Nogueira, apresentada a Bolsonaro em 2022, apontava a inexistência de fraudes nas urnas —mas o ex-presidente queria um tom mais político. Na avaliação de Cid, no fim, saiu um "meio-termo".

Bolsonaro atribuiu a peritos suas suspeitas em relação à urna eletrônica. O ex-presidente afirmou que um documento da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais aponta a existência de "fragilidades das urnas eletrônicas sem o voto impresso". "A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar", Bolsonaro chegou a dizer.

Entidade mencionada por Bolsonaro negou falhas nas urnas em 2021. Em nota divulgada à época, a associação afirmou que "a identificação de falhas e vulnerabilidades não permite afirmar que houve, há ou haverá fraudes nas eleições".

"Esse inquérito não tem absolutamente nada a ver com as urnas eletrônicas", disse Moraes a Bolsonaro. A fala veio num momento em que o ex-presidente sugeria que estava sentado hoje no STF como réu por causa de suas críticas às urnas. Boslonaro afirmou que sempre teve dúvidas em relação ao sistema eleitoral brasileiro e citava outros atores políticos que, segundo ele, compartilharam da mesma opinião em algum momento.

Bolsonaro não lembra de Braga Netto em reunião na qual o general estava sentado a seu lado. Questionado por Moraes sobre a presença do militar em encontro realizado em abril de 2020, o ex-presidente respondeu: "nem sei se ele estava lá". "Ele estava ao seu lado", disse o ministro do STF.

Dois advogados de defesa

Bolsonaro foi o primeiro réu a fazer o interrogatório acompanhado por dois advogados. O ex-presidente sentou-se à mesa dos réus para o interrogatório da ação penal acompanhado de Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno. Já os outros réus estavam com apenas um defensor ao lado quando falaram.

Moraes proibiu que defesa de Bolsonaro apresentasse vídeos. O entendimento foi de que a apresentação de novos materiais não cabe no interrogatório. A Folha de S.Paulo registrou Vilardi com uma lista de vídeos que levantavam questões sobre a segurança da urna eletrônica.

Ex-presidente leu a transcrição de vídeos que pretendia exibir. Bolsonaro descreveu o que acontece em duas das gravações: em vídeos antigos, Flávio Dino e Carlos Lupi, ambos ex-ministros do atual governo, fizeram críticas à urna eletrônica.

Bolsonaro vive momento político difícil

O ex-presidente foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por tentativa de golpe de Estado. Em 18 de março, Bolsonaro foi acusado de liderar uma organização criminosa para tentar se manter no poder após a vitória de Lula (PT) nas eleições de 2022.

Denúncia da PGR foi aceita em 26 de março. Nesse dia, o STF tornou réu Bolsonaro e outros sete denunciados, dando início à ação penal da qual os interrogatórios dessa semana são uma das etapas e que deve terminar com a condenação ou absolvição do ex-presidente e dos demais acusados.

Bolsonaro responde por cinco crimes. São eles: organização criminosa armada, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Por decisão do TSE, o ex-presidente está inelegível até 2030. Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral considerou que uma reunião de Bolsonaro com embaixadores quando ele ocupava a presidência (na qual houve ataques à credibilidade do sistema eleitoral) justificava seu afastamento das disputas até 2030.

Apesar da situação, o ex-presidente afirmou em vários momentos que pretendia se candidatar em 2026. "O candidato sou eu", disse ele em entrevista em novembro, na qual se apresentou como único nome da direita com chances de ser eleito. "O plano A sou eu, o plano B sou eu também e o plano C sou eu", disse em dezembro.

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