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Por que a carne brasileira segue competitiva mesmo com tarifaço de Trump

Gado da raça Brangus na feira Expointer de 2024 - Fernanda Canofre
Gado da raça Brangus na feira Expointer de 2024 Imagem: Fernanda Canofre

Danielle Castro

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

28/05/2025 12h01Atualizada em 28/05/2025 16h57

As tarifas de importação de carne bovina brasileira pelos EUA vão aumentar de 26,4% para 36,4% sempre que ultraarem o limite de 65 mil toneladas, volume que o Brasil esgota logo no mês de janeiro, segundo a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes).

A medida, contudo, não deve tirar a competitividade do produto brasileiro. "Se a carne americana custa US$ 100 e a brasileira custa US$ 30, mesmo com o acréscimo de 10%, ela vai para US$ 33. Ainda assim, é muito mais barata", aponta Roberto Perosa, presidente da Abiec.

De acordo com a entidade, em abril deste ano, as exportações para os EUA saltaram para 48 mil toneladas ante 8 mil no mesmo período de 2023.

"Quem está pagando essa conta é o consumidor americano", diz Perosa.

Pecuária em crise nos EUA

O timing de Donald Trump para taxar a carne importada não poderia ter sido pior. Os Estados Unidos vivem o pior ciclo pecuário dos últimos 80 anos devido a eventos climáticos que afetaram a produção, com queda do rebanho e da oferta de carne.

A demanda interna norte-americana, em contrapartida, segue forte. "Para o Brasil, essa disputa criou novas oportunidades. Não somos a favor de tarifas, mas temos capacidade de abastecer o mercado global com regularidade, qualidade e previsibilidade", afirma Perosa.

Para o advogado João Alfredo Lopes Nyegray, professor de negócios e relações internacionais da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e do Centro Universitário FAE, o impacto esperado para o Brasil foi "paradoxalmente positivo, pelo menos no curto prazo."

"A política tarifária estadunidense visa, teoricamente, proteger os produtores internos, só que fatores estruturais, também internos dos EUA, enfraqueceram a capacidade de oferta doméstica", diz Nyegray.

Como a carne brasileira custa menos da metade da norte-americana, o diferencial de custos neutralizou o impacto tarifário. "A elevação das tarifas não teve o efeito que Trump esperava de dissuasão das importações", reforça o docente.

Riscos da dependência externa

O contexto positivo para o Brasil nos EUA, entretanto, não pode ser a única âncora para o mercado de carnes de exportação. O superávit comercial atual, impulsionado pela exportação de commodities, exige planejamento de longo prazo.

Especialistas indicam que o crescimento depende de superar desafios regulatórios, investir em qualidade e diversificar mercados, para evitar o risco de estar a serviço de um comprador predominante ou único.

"Depender de flutuações conjunturais do mercado externo é muito arriscado", alerta Nyegray.

O advogado lembra que mudanças climáticas em solo brasileiro ou até mesmo novas políticas nos EUA podem afetar a demanda. "O Brasil precisa investir em estratégias de produção e destinos para agregar valor e mitigar riscos geopolíticos", diz o docente.

Ameaças sanitárias e reputação

Outro desafio no momento do setor é superar os resquícios de desconfiança gerados pela presença pontual de gripe aviária no país, fortalecendo a "externalidade reputacional" para a carne bovina.

Mesmo que a crise tenha acontecido na produção de aves, qualquer falha em um setor específico pode levantar dúvidas sobre a capacidade geral do país em assegurar a sanitariedade e rastreabilidade de origem dos produtos.

O efeito é maior sobre mercados rigorosos, como União Européia e Japão. O docente que eventos sanitários exigem vigilância constante para evitar barreiras não tarifárias baseadas em "precaução".

"Há uma confiança bastante grande no Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa), mas ainda assim, trata-se de um fator reputacional", destaca Nyegray.

Desafios nos mercados asiáticos

EUA e Austrália consomem do Brasil, sobretudo, produtos de carne bovina. O maior volume, porém, vai para a China, que é a maior compradora do Brasil e importa cortes para processamento de hambúrgueres, pratos prontos e caldos.

"Temos posição consolidada em volume, mas ainda não ocupamos com força os canais de maior valor agregado. Nosso perfil exportador está concentrado em cortes dianteiros e miúdos, voltados à indústria", diz Perosa.

O presidente da Abiec ressalta que a venda de carnes nobres, marmorizadas, exigem investimentos em genética e padronização. A mudança demanda adaptação, com aumento da produção de raças europeias (Angus e Brangus), hoje restritas ao Sul do país.

Barreiras regulatórias e oportunidades

A China suspendeu os processos de habilitação de 28 plantas frigoríficas até conclusão de investigações de salvaguardas (previstas para setembro). Novas habilitações só devem ocorrer em 2026.

Paralelamente, o governo busca revisar o protocolo sanitário com os chineses para autorizar a exportação de subprodutos.

Outros mercados em avanço são o do Japão, que realizará missão técnica em junho para avaliar o sistema sanitário brasileiro, e o do Vietnã, onde o modelo de certificado sanitário do Brasil acaba de ser aceito.

"[Isso] Nos permite avançar com as habilitações. Nosso foco é garantir o, previsibilidade e imagem. Temos carne, sanidade, regularidade e estamos prontos para ocupar ainda mais espaço no comércio internacional", diz Perosa.

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