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Empresário que negociou Ancelotti: amigo do clã Neymar e moral com ex-CBF

A tarde de 12 de março tinha sido movimentada na CBF. Internamente, houve conselho técnico da Série A. No ambiente externo, Ronaldo Fenômeno anunciou que não conseguiria lançar candidatura à presidência da entidade.

Enquanto o então presidente Ednaldo Rodrigues se preparava para receber alguns jornalistas remanescentes em seu gabinete, uma figura até então pouco badalada no universo da bola esperava em um dos sofás da antessala que fica no terceiro andar da sede da CBF.

Era o empresário Diego Fernandes. Você já deve ter visto fotos dele por aí nos últimos dias. Cabelos meio longos, quase sempre vestindo um terno, sapato sem meia e o nome atrelado à contratação de Carlo Ancelotti.

Diego nunca esteve no centro do poder da diretoria de seleções. Mas tinha o a Ednaldo, a treinos e a jogadores. Nesse embalo, recebeu o aval do agora ex-presidente para falar em nome da CBF junto a Ancelotti.

Não por acaso, Diego, o treinador italiano e toda a nova comissão técnica estrangeira vieram da Europa no mesmo jatinho que desembarcou na noite de domingo, no Rio.

Na semana anterior, Diego estava no Festival de Cannes. Mas abdicou do black tie para chegar ao Brasil com Ancelotti. Optou por uma camisa amarela, retrô, com número de Garrincha na Copa de 1962. Diz ele que Ancelotti até quer uma igual.

Mas como Diego Fernandes foi parar no meio disso tudo? O empresário calcula que as conversas mais diretas sobre o treinador começaram há 40 dias.

"Tenho muitos amigos no futebol, grandes jogadores que são clientes no banco onde eu presto serviço. Quando eu fui convidado, achei isso uma oportunidade como brasileiro, para ajudar a seleção a ter um melhor treinador e que pudesse contribuir para a história do futebol", disse o empresário, em entrevista após a apresentação de Ancelotti.

Ontem, Diego ganhou lugar marcado nominalmente, na primeira fila, próximo aos membros da nova comissão técnica da seleção.

Técnico Carlo Ancelotti embarca ao Brasil acompanhado do empresário Diego Fernandes - Reprodução - Reprodução
Técnico Carlo Ancelotti embarca ao Brasil acompanhado do empresário Diego Fernandes
Imagem: Reprodução

Amigo do 'rei' ou amigo do Ney?

Diego Fernandes é CEO da 08 Partners. São-paulino, tem experiência no mercado financeiro e faz operações para jogadores — como movimentações de câmbio de um país para o outro e investimentos.

Ele começou a aparecer de forma mais intensa no ambiente da seleção brasileira após a Copa do Mundo do Qatar. Diego frequentava treinos e hotéis. O empresário aproximou-se de jogadores da seleção brasileira oferecendo serviços financeiros.

Uma das famílias amigas no mundo da bola é a de Neymar — que ampliou os caminhos no cotidiano da CBF.

Desde 2018, ele tem fotos nas redes sociais com Jota Amâncio, um dos amigos mais próximos do camisa 10 do Santos. Diego assistiu à apresentação do jogador na Vila Belmiro ao lado de amigos e familiares.

Jota até replicou nas redes sociais a foto de Diego com Ancelotti, acrescentando a legenda: "Missão cumprida com meu sócio para o bem da nossa nação. O homem disse sim".

Por tudo isso, aos poucos, foi ganhando espaço com Ednaldo Rodrigues, de quem ganhou uma camisa personalizada da seleção em março de 2024, em Londres, por ocasião do amistoso com a Inglaterra.

O empresário, no entanto, nega que a proximidade com os Neymares (pai e filho) tenha sido combustível para fechar logo com Ancelotti. O italiano era o preferido de Ednaldo, mas concorria ao cargo na seleção com Jorge Jesus — personagem importante na saída de Neymar do Al-Hilal.

"Não teve essa conversa. Foi uma especulação da imprensa. Eu tenho uma relação com vários outros jogadores que eu conheço há bastante tempo. Neymar é mais um deles. Assim como tenho uma relação com o pai dele, conheço o pai de outros jogadores. Você acaba criando um vínculo especial com os familiares. A família de Neymar é igual a família de outros jogadores que estão na seleção", afirmou.

Em outro ambiente do qual gosta muito — o da Fórmula 1 —, era comum Diego aparecer com alguma camisa da seleção autografada. Leclerc, Sainz, Gasly e Doohan que o digam. O modelo vinha em uma caixa da CBF, daquelas já embaladas para presente.

O negócio vetado

Fernandes já teve uma empresa como sócio de Assis Moreira, irmão de Ronaldinho Gaúcho, o garoto-propaganda da marca. A "a FC" tinha como objetivo vender cotas de jogadores de futebol, como uma espécie de investimento.

A empresa foi suspensa pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2015, por não ter licença para operar como agência de investimento coletivo.

"Era uma ideia inovadora. Tinha ideia de fazer a primeira bolsa de valores de jogadores de futebol no mundo. A ideia era poder ajudar os clubes e dar a torcedores a oportunidade de poder investir comprando cotas em cartão de crédito. Era para ajudar o futebol. A gente estava muito à frente do tempo, era uma ideia inovadora. Fiz muitos amigos na época. Ter o Assis e Ronaldinho nessa foi incrível", lembra ele.

'Desmascarado' em Madri

Diego Fernandes ficou conhecido do grande público quando foi a Madri como emissário da CBF para dialogar com Ancelotti.

A missão deveria ser sigilosa, mas a imprensa espanhola não demorou para identificar o empresário e ar a segui-lo. Foi flagrado em pelo menos dois jogos.

O UOL apurou que o empresário contratou quatro empresas de assessoria para divulgar sua imagem como emissário da CBF nas negociações para veículos europeus. Mas ele fugia de entrevistas.

O vazamento das informações sobre a negociação causou mal-estar na CBF e no Real Madrid, desagradando ao próprio Ancelotti.

"Isso nunca aconteceu. Sempre tive uma relação muito boa", rebateu ele, sobre a 'crise' com Florentino Pérez.

Foi a primeira participação dele como intermediador de uma negociação de treinador ou jogador. E Diego se envolveu em um "namoro" que quase tinha dado certo em 2023, antes de Ancelotti renovar o contrato pela última vez com o Real Madrid. A negociação com a CBF ficou difícil porque Ednaldo Rodrigues fora afastado por cerca de um mês, em uma decisão judicial.

"A dificuldade que se tinha no começo era mostrar para o Carlo que era um momento político mais estável. Eu estava bem confiante desde o começo. A probabilidade de dar errado era maior. Mas era um sonho dele treinar a seleção brasileira", conta o empresário.

Ednaldo não ficou no cargo tempo suficiente para receber Ancelotti como presidente da CBF. Por mais que tenha anunciado a contratação, a Justiça decidiu novamente afastá-lo. O movimento, como um todo, foi resultado de uma perda de força política do cartola.

Embora a relação fosse com o presidente anterior, Diego não perdeu espaço no jatinho pago pela entidade para trazer Ancelotti e a nova comissão.

Na CBF, há quem questione a validade da atuação dele, considerando que o acordo de 2023 basicamente se repetiu agora. De todo modo, quem tem poder sobre o cofre da entidade ite que Diego terá direito a uma comissão.

Como perdeu um aliado, Ednaldo, a tendência é que Diego tenha bem menos espaço no cotidiano da cúpula da CBF. Mas mesmo assim, ele adota um tom amistoso em relação à nova gestão.

"Desejo boa sorte ao presidente (Samir Xaud). Espero que a CBF consiga conduzir a seleção para o hexa. Vou torcer muito para isso. Sei que eles vão trabalhar muito forte para isso", disse Diego.

Ancelotti e Diego Fernandes no desembarque no Rio - Rafael Ribeiro/CBF - Rafael Ribeiro/CBF
Ancelotti e Diego Fernandes no desembarque no Rio
Imagem: Rafael Ribeiro/CBF

E essa popularidade?

Diego reconhece que faz parte da elite econômica do país, mas só agora começa a provar uma certa popularidade.

Ele abriu as redes sociais e viu o perfil no Instagram saltar de cerca de 700 para 24 mil seguidores nos últimos dias.

Contratou assessoria de imprensa e tem trabalhado a imagem publicamente. A foto dele na porta do jatinho com Ancelotti foi divulgada no perfil do jornalista Fabrizio Romano, especialista mundial em transferências do futebol.

Depois, quando publicou no próprio perfil, Diego recorreu a um texto de exaltação ao Brasil que veio com uma observação no final: "Escrito a quatro mãos: eu e a inteligência artificial".

Na porta do hotel em que aconteceu a primeira convocação de Ancelotti, Diego foi parado para tirar fotos. Segundo ele, aparecer mais servirá para dar visibilidade a causas como preservação do meio ambiente e incentivo à cultura. "Meu objetivo agora é ajudar com filantropia".

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