Justiça climática: a derrota com sabor de vitória de um peruano contra uma empresa alemã
Uma decisão tomada por um tribunal alemão na tarde desta quarta-feira (28) abriu um precedente inédito para a responsabilização de empresas poluentes pelos efeitos das mudanças climáticas. A corte da cidade de Hamm analisou o pedido de indenização de um agricultor peruano pelos efeitos das mudanças climáticas em sua propriedade nos Andes. Ele exigia uma compensação de uma empresa de energia da Alemanha.
Gabriel Brust, de Dusseldorf,
O tribunal decidiu que a empresa de energia alemã RWE não é responsável pelos riscos que a propriedade do agricultor Saúl Luciano Lliuya estaria correndo na cidade de Huaraz, no Peru. Lliuya alegava que, por causa do derretimento do gelo nos Andes, o lago Palcacocha poderia transbordar a qualquer momento, inundando sua propriedade.
O caso pode parecer uma derrota para o peruano e para os ativistas que o apoiam, não fosse por um detalhe: o tribunal reconheceu que empresas emissoras de CO? como a RWE podem, sim, ser responsabilizadas por este tipo de situação. Apenas decidiu que, neste caso em específico, não havia um risco real para a propriedade do requerente.
10 anos de batalha judicial
O caso de Saúl Luciano Lliuya contra a multinacional de energia alemã RWE já se estendia por uma década e contava com apoio da organização ambiental alemã Germanwatch. A advogada que representa o agricultor peruano, a alemã Roda Verheyen, usou como referência um estudo de 2013 que posiciona a empresa RWE como a maior emissora de CO? da Europa, sendo responsável também por 0,5% das emissões em todo o planeta.
Daí o pedido de uma indenização no valor de 17 mil euros - esse seria o valor proporcional aos 0,5% de responsabilidade da RWE. Ou seja, outros 99,5% da indenização deveriam vir de outras empresas poluentes.
A causa foi considerada uma vitória para a chamada "justiça ambiental" basicamente porque o tribunal reconheceu que existe fundamento em responsabilizar empresas emissoras de CO? por potenciais efeitos catastróficos das mudanças climáticas.
É a primeira vez que isso acontece e, portanto, cria jurisprudência para que outros casos sejam, pelo menos, aceitos e analisados por tribunais. Este é o único processo no mundo por responsabilidade corporativa por riscos climáticos que chegou até uma audiência probatória.
Empresa se defende
No caso da cidade de Huaraz, no Peru, os moradores querem que as empresas poluentes paguem por um plano de proteção da população contra o possível transbordamento do lago Palcacocha, que tem aumentado seu volume ano após ano devido ao degelo da cordilheira dos Andes.
Uma tragédia como esta já aconteceu na região em 1941, matando centenas de pessoas. Mas depois de analisar tecnicamente o caso, inclusive fazendo uma visita até o local, o tribunal alemão considerou que não existe um risco real ao povoado.
A RWE alega que não tem nenhuma atividade no Peru e que sempre cumpriu com a regulamentação alemã de emissões de poluentes. Em um comunicado, a empresa afirma que, "se tal alegação existisse sob a lei alemã, qualquer pessoa que dirigisse um carro, por exemplo, poderia ser responsabilizada".
A advogada do peruano afirma já ter sido contatada por pessoas afetadas pelas mudanças climáticas em Bangladesh, Nepal, Paquistão, Estados Unidos, Tailândia e Indonésia, abrindo espaço para novas ações similares a partir de agora.