Marina x Senado é civilização versus barbárie
Marina x Senado é civilização versus barbárie - Senadores ogros não desprezam só as mulheres, eles odeiam proteção ambiental e consciência climática - tudo que Marina Silva representa.Não sei se foi responsabilidade profissional ou masoquismo, mas, semana ada, depois de ler sobre os ataques sofridos pela ministra do Meio Ambiente e do Clima, Marina Silva, no Senado, me dei uma missão inglória: assistir à tal audiência na íntegra.
Marina havia sido convidada a dar explicações sobre o projeto de criação de reservas marítimas no norte do país na Comissão de Infraestrutura do Senado. Por mais de duas horas e meia, ela explicou calmamente a importância das reservas, e também deu uma aula didática sobre economia e sustentabilidade, falou sobre a necessidade urgente de proteger os biomas brasileiros e combater as mudanças climáticas. Até que, em certo momento, ela ou a ser destratada e desrespeitada por senadores ogros do agro que deveriam pedir licença antes de falar com alguém como Marina Silva, uma das maiores autoridades em meio ambiente do mundo.
Em uma das cenas mais revoltantes, o senador Marcos Rogério, do PL de Rondônia, cortou o som do microfone de Marina, em uma cena de silenciamento literal. Ele ainda falou para a ministra "se pôr no seu lugar".
A misoginia com que Marina foi tratada é chocante. É real, o ambiente político do Brasil odeia as mulheres, principalmente aquelas que, como disse Marina, "não são subservientes". Mas não é só a violência de gênero e política que chamam atenção nesse caso. Os senadores que atacaram Marina, é importante lembrar, são os mesmos que aprovaram o Projeto de Lei (PL) que flexibiliza o licenciamento ambiental, que foi apelidado por ambientalistas de "PL da Devastação". De acordo com a ministra, o projeto é um "golpe de morte" no licenciamento ambiental brasileiro e um grave retrocesso.
Está claro: os senadores ogros que atacaram Marina não faltam ao respeito somente com as mulheres, eles odeiam proteção ao meio ambiente, ciência e consciência climática. Marina representa tudo isso.
Que tipo de progresso?
Durante a audiência em que foi agredida, Marina foi acusada por alguns de "atrapalhar o progresso". Mas que progresso é esse que é defendido pela maioria dos senadores do Brasil?
Como se diz no país, eles defendem "que os portões sejam abertos para ar a boiada", ou seja, o "vale tudo" em nome do tal "progresso" e "desenvolvimento". Entre aspas mesmo, já que é impossível pensar em progresso em 2025 sem pensar em proteção à natureza e ao clima.
Em poucas palavras, o "PL da Devastação" reduz significativamente o número de empreendimentos que precisarão do licenciamento ambiental para sair do papel, beneficia a agropecuária, que não precisará de licenciamento para atividades extensivas, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte que não ameaçam a vegetação nativa, e cria um tipo de licenciamento automático por autodeclaração. Um perigo, ainda mais em 2025, quando sabemos que as mudanças climáticas já causam desastres no mundo todo e que medidas para conter esse horror são urgentes.
Esse absurdo foi aprovado no dia 21 de maio por 54 senadores. Apenas 13 votaram contra. A Câmara dos Deputados ainda precisa aceitar as mudanças feitas pelo Senado no Projeto de Lei. Depois, ele pode ser sancionado ou vetado pelo presidente Lula. Todos os especialistas em meio ambiente sérios avisam que o projeto é uma tragédia. Mas os senadores do agro e outros políticos, que parecem ter parado no tempo das capitanias hereditárias, ainda tratam proteção ambiental como se isso fosse "um atraso".
Atrasado, sabemos, é esse pensamento de "vamos construir, custe o que custar" em 2025. E, o mais irônico, tudo isso acontece meses antes do Brasil sediar a 30° edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em novembro em Belém do Pará.
De um lado, temos Marina, interessada na proteção do clima e da natureza, do outro, "machos, adultos, brancos, sempre no comando" que representam "o lucro, custe o que custar" e/ou negacionistas climáticos. O conflito não é só entre homens misóginos e uma mulher forte. É entre civilização e barbárie.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.Autor: Nina Lemos