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Deepfake na eleição de Buenos Aires aumenta debate sobre regulamentar redes

Pesidente da Argentina, Javier Milei - REUTERS/19.nov.2023-Agustin Marcarian
Pesidente da Argentina, Javier Milei Imagem: REUTERS/19.nov.2023-Agustin Marcarian
do UOL

Francieli Campos

Colunista convidada*

22/05/2025 05h30Atualizada em 22/05/2025 07h42

A campanha eleitoral de 2025, levada a efeito agora em maio, para os cargos da cidade de Buenos Aires, foi marcada por um episódio sem precedentes: a circulação de um vídeo deepfake, na véspera da votação, que simulava o ex-presidente Mauricio Macri declarando apoio ao candidato do partido de Milei, Manuel Adorni, e anunciando a retirada da candidatura de Silvia Lospennato, candidata do seu partido, PRO, que governava a cidade desde 2007.

O material, gerado por inteligência artificial generativa, viralizou nas redes sociais na véspera da eleição, levantando debates sobre fraude digital, liberdade de expressão e integridade democrática.

O vídeo apócrifo, divulgado em 17 de maio de 2025, apresentava características técnicas avançadas, como sincronização labial e tonalidade de voz realista, dificultando a identificação de adulteração por parte do eleitorado médio. A peça falsa foi amplificada por uma rede de contas vinculadas a setores do governo nacional.

A estratégia visava confundir eleitores do PRO e redirecionar votos para Adorni, em um contexto de polarização entre coalizões de direita. Com 30% dos votos, o partido La Libertad Avanza venceu uma eleição na Cidade de Buenos Aires pela primeira vez, consolidando a força de Milei e desbancando o partido de Macri para um surpreendente terceiro lugar.

Logo que o vídeo com conteúdo manipulado começou a circular, o ex-presidente argentino postou uma mensagem em seu perfil na rede social X, negando a autoria e afirmando que seu partido tomaria as ações legais convenientes para barrar o episódio que qualificou como "um grave ato de profundo desrespeito às regras eleitorais e à democracia".

O PRO logo ingressou com uma denúncia na Corte Eleitoral, que determinou a remoção imediata do conteúdo, fundamentando a decisão no risco de violação ao direito a um voto informado. Não houve arbitramento de multa e tampouco se falou em punição para aqueles que postaram ou compartilharam o vídeo que utilizou a deepfake.

Tal situação contrasta com o que aconteceria no Brasil, caso o fato tivesse ocorrido numa eleição brasileira. De acordo com a normativa do Tribunal Superior Eleitoral, que regulamenta a propaganda eleitoral nas campanhas brasileiras, o uso desse tipo de conteúdo manipulado digitalmente é vedado na propaganda eleitoral, quando haja criação, substituição ou alteração de imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia.

Além da cassação do registro da candidatura do candidato envolvido por abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, seria possível enquadrar o ato em um crime eleitoral.

"Não subestimemos as pessoas", afirmou o presidente da Argentina, Javier Milei ao ser questionado sobre o vídeo. O presidente defendeu sua divulgação como um exercício de liberdade de expressão e esclareceu que o Estado não estava envolvido na operação: "Não sei se alguém retuitou.?Por exemplo, eu não retuitei isso.?Eu vi e achei muito grosseiro. O tuíte estava, quer dizer,?deixando claro que era uma piada, mas eu entendo que as pessoas podem ser sensíveis a essas coisas, e eu não me envolvo nisso". Ainda afirmou que "a liberdade de expressão é primordial, a ideia de perseguir quem está nas redes sociais é uma loucura".

As diferenças não só entre as normas, mas também sobre a forma como as sociedades brasileiras e argentina encaram a mesma questão mostram como tudo que envolva o debate do papel da tecnologia e das redes sociais é complexo e sem respostas definitivas.

*Francieli Campos, advogada eleitoralista, professora coordenadora da pós-graduação de Direito Eleitoral da FMP, ex-presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral, membro da Abradep.

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