Topo
Notícias

Direita propõe 25 projetos sobre bebês reborn, mas só há um caso registrado

Febre dos bonecos ultra realistas, os chamados rebê reborn, provocou ofensiva de políticos de direita e extrema direita nas casas legislativas - Reprodução/ Simone Fortuna
Febre dos bonecos ultra realistas, os chamados rebê reborn, provocou ofensiva de políticos de direita e extrema direita nas casas legislativas Imagem: Reprodução/ Simone Fortuna
do UOL

Do UOL, em São Paulo

22/05/2025 05h30Atualizada em 22/05/2025 09h41

Nas últimas duas semanas, ao menos 25 projetos de lei foram protocolados em casas legislativas de todo o país propondo proibir o atendimento de bonecos ultrarrealistas —os "bebês reborn"— em equipamentos de saúde pública.

O que aconteceu

Projetos se espalham pelo país, mas apenas um caso foi registrado em secretarias de Saúde. Apesar de as propostas falarem em "casos crescentes", levantamento feito pelo UOL com secretarias de Saúde mostrou que houve apenas um registro de alguém que realmente tentou levar uma boneca a uma unidade de atendimento.

Único caso real aconteceu em Guanambi, no sul da Bahia, e a pessoa nem chegou a entrar no local. Segundo a prefeitura, uma jovem com transtorno psiquiátrico tentou atendimento no último domingo para uma boneca na UPA da cidade, mas foi reconhecida e confrontada na entrada do local, e orientada a voltar para casa.

Em nota, a prefeitura de Guanambi disse que os familiares da envolvida foram notificados e procuraram ajuda profissional para ela. "Mesmo a jovem não tendo conseguido o à unidade, o fato foi relatado ao diretor da UPA, para conhecimento da situação", diz o texto.

Mesmo sem quantidade expressiva de casos, projetos contra bebês reborn foram apresentados nas esferas federal, estadual e municipal. Segundo levantamento feito pela startup de inteligência de dados governamentais Inteligov, a pedido do UOL, há propostas nesse sentido tramitando na Câmara dos Deputados; nas Assembleias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Espírito Santo e Alagoas; e também nas Câmaras Municipais de Salvador, Curitiba, Cuiabá, Vila Velha (ES) e seis cidades paulistas: além da capital, Santo André, Americana, Guarujá, São José dos Campos e Santa Bárbara D'Oeste.

Projetos fixam multas de até R$ 50 mil para quem levar bonecos a unidades de saúde para atendimento. Com teor semelhante, os textos em geral justificam que a prática pode colocar em risco a vida de pessoas reais que precisam do serviço médico e ainda representa desperdício de recursos públicas. Há propostas também para proibir que os bebês reborn tenham prioridade em filas, obtenção de gratuidade no transporte público e obtenção de benefícios voltados para crianças reais.

Ofensiva vem de parlamentares de direita e extrema direita. Os projetos foram apresentados por políticos de partidos como PL, Republicanos, União Brasil, Podemos e PP. Só na Câmara de Salvador a iniciativa veio de uma vereadora do PDT, sigla de esquerda, mas que faz parte da base do prefeito Bruno Reis (União Brasil), principal adversário do PT na capital baiana.

Na maior parte das propostas, parlamentares apresentam justificativas genéricas, dizendo haver "casos crescentes" de tentativas de atendimento. Em um dos poucos que citam exemplos, o deputado goiano Zacharias Calil (União-GO) menciona um episódio que teria acontecido em Janaúba, no interior de Minas Gerais, em que uma adolescente teria buscado atendimento para seu boneco em um hospital público. O deputado estadual pelo Espírito Santo Denninho Silva (União Basil) citou o mesmo caso.

Incidente, porém, não é real. A influenciadora Yasmin Becker publicou, no fim de abril, um vídeo em que mostra seu boneco ultrarrealista em um hospital, mas ela explicou depois que foi lá para visitar o filho recém-nascido de uma amiga, e aproveitou a ocasião para gravar as imagens. Até ontem, o vídeo tinha mais de 15 milhões de visualizações só no TikTok, e foi republicado inúmeras vezes, sem contexto.

Autor de uma das propostas, deputado estadual itiu não conhecer casos de tentativa de atendimento médico a bebê reborn em São Paulo. Altair Moraes (Republicanos-SP) afirmou, em nota, que o projeto surgiu de um "debate que vem crescendo no Brasil e em diversas partes do mundo, com relatos pontuais". O parlamentar disse que o atendimento deve ser voltado à saúde e ao bem-estar de "pessoas reais, não de objetos".

Especialista afirma que projetos tratam de um "não problema" para "pegar carona" na tendência dos bebês reborn. "São projetos apenas para marcar posição para seus eleitorados. Nenhum desses parlamentares deve estar preocupado se o projeto vai caminhar ou não", avalia Gabriel Barreto, especialista em relações governamentais da Inteligov, plataforma de monitoramento de dados dos Três Poderes.

Cientista política acredita que projetos do tipo desviam a atenção de discussões relevantes para a vida das pessoas. "Há um risco de reforçar notícias falsas ou não problemas e gerar nesse processo uma diminuição da agenda pública para as questões que são realmente relevantes e que impactam na vida da população", explica Graziela Tosta, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

A gente está num ano pré-eleitoral em que os políticos já estão muito de olho em quais são os temas que vão chamar atenção, e esse foi um tema de muita visibilidade nas redes sociais. Essas pessoas que apresentam esses projetos têm consciência de que isso não é uma questão, mas essa sinalização para o seu eleitorado de que algo foi feito é mais importante na visão desses parlamentares.
Graziela Tosta, cientista política e professora da FGV

Antropóloga explica que um dos motivos para a multiplicação dos projetos é o chamado "viés de repetição". "Pode haver só um caso, mas esse caso ganha muita visibilidade, e dá a impressão de que todo mundo está fazendo isso, mas não é verdade: esse não é um problema relevante estatisticamente, nem chega a ser um problema. Mas a gente tem essa percepção que distorce a realidade", explica Isabela Kalil, doutora em antropologia e coordenadora do grupo de pesquisa Observatório da Extrema Direita.

Apesar de o tema parecer "bobo", diz a antropóloga, ele ilustra uma disputa em torno da noção de família pela direita. "Para o campo conservador, a principal agenda é a defesa da chamada família tradicional, um modelo muito específico formado por homem, mulher e filhos", diz. "Então, o que está em questão é menos o bebê reborn e mais a guerra cultural em torno de noções importantíssimas, sobre o que é uma família e se o Estado deve intervir nesses assuntos, evitar que isso saia do controle."

Censura ao bebê reborn também está associada à perspectiva histórica de considerar patológico qualquer comportamento feminino diferente do comum. "Na sociedade, a gente patologiza mulheres muito mais facilmente do que homens", diz Isabela Kalil. "Homem com bonequinho pequeno de videogame, de super-heróis, mesmo que eles deem a vida nisso, gastem um dinheiro excessivo, é só um hobby. Agora, a mulher, se for adulta e tiver uma boneca, é louca."

Os conservadores se organizavam muito em torno do bolsonarismo, e agora, até pelo julgamento da tentativa de golpe de Estado, eles estão em uma situação de espera, de liminaridade, para ver aonde vão e que agenda vão defender. Neste momento, não temos nenhuma grande proposta própria da direita, a não ser as relacionadas à anistia dos atos golpistas, e o campo do conservadorismo é um campo que é movimentado por essas polêmicas, mesmo que sejam falsas
Isabela Kalil, antropóloga e pesquisadora do Observatório da Extrema Direita

Notícias