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'Um privilégio estar vivo aos 80': disse Sebastião Salgado em uma de suas últimas entrevistas na França

23/05/2025 16h11

"O dia mais feliz da minha vida foi quando completei 80 anos. Simplesmente porque eu ainda estava aqui ? não estava morto. Tantos amigos já haviam morrido... Eu estava em Goma, na República Democrática do Congo. Éramos todos fotógrafos, e quatro deles foram assassinados. Mas eu ainda estou aqui. Então, para mim, estar vivo aos 80 anos é um privilégio enorme". Confira a última entrevista concedida por Sebastião Salgado à RFI.

"O dia mais feliz da minha vida foi quando completei 80 anos. Simplesmente porque eu ainda estava aqui ? não estava morto. Tantos amigos já haviam morrido... Eu estava em Goma, na República Democrática do Congo. Éramos todos fotógrafos, e quatro deles foram assassinados. Mas eu ainda estou aqui. Então, para mim, estar vivo aos 80 anos é um privilégio enorme". Confira a última entrevista concedida por Sebastião Salgado à RFI.

"Antes eu acreditava em uma só espécie: a minha. Mas me decepcionei ao descobrir que somos atrozes, violentos, horríveis, que estamos nos destruindo e a nosso planeta. Descobri também que faço parte de um universo enorme de espécies, e que se a minha desaparecer, não há problema". A frase é do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, morto nesta sexta-feira (23) em Paris, cidade que ele amou, onde viveu e trabalhou durante muito tempo. A RFI Brasil entrevistou Salgado no norte da França em 1° de março, confira a entrevista completa: 

Primeiras reações

De Brasília, o presidente brasileiro Lula prestou homenagem ao seu compatriota: "Nosso companheiro Sebastião Salgado, se não o maior, um dos maiores e melhores fotógrafos que o mundo já conheceu."

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) também reagiu à morte de Salgado, uma "voz incontornável na denúncia das injustiças sociais que forçam milhões de pessoas a se deslocar". Segundo a entidade, o brasileiro, que ficou conhecido mundialmente por seu trabalho engajada, marcado, entre outros, pelo projeto "Êxodos", o fotógrafo "foi um cronista das rotas forçadas, mostrando que o deslocamento humano é uma questão que interpela a todos, uma responsabilidade compartilhada e que requer solidariedade para esta causa verdadeiramente humana". 

Sebastião Salgado deveria inaugurar neste sábado (24), em Reims (nordeste da França), uma exposição de desenhos de seu filho Rodrigo, de 45 anos, que tem síndrome de Down, na igreja do Sagrado Coração. Para a exposição, uma dúzia de vitrais foi criada a partir das obras de Rodrigo, informou à AFP a agência responsável pela sua promoção.

Membro da Academia de Belas Artes da França desde 2017 e premiado pela Organização Mundial de Fotografia, em Londres, Salgado surpreendeu o público presente no centro cultural Les Franciscaines, em Deauville, na região da Normandia, no norte da França, com um tom emocionado, pedindo "antes de tudo desculpas" e dizendo que não estava "100%".

"Fui internado na semana ada num hospital em São Paulo para continuar um tratamento e volto na semana que vem para lá. É uma doença bem forte que eu adquiri há cerca de 15 anos trabalhando no projeto 'Gênesis', na Nova Guiné. Eu peguei malária e os médicos em Paris, no [tradicional hospital] Salpêtrière, me disseram que eu deveria descansar durante seis meses, porque a doença ataca o corpo inteiro, mas eu tive que desligar porque já estava no platô do Colorado", contou Salgado em francês, fazendo a audiência rir.

"Parte de tudo isso"

"Descobri que sou parte de tudo isso", insistia Sebastião Salgado, 81 anos, na abertura da grande exposição Sebastião Salgado: Obras da Coleção da MEP, que homenageia não apenas suas séries icônicas de fotografias em preto e branco, mas também sua vida e seu olhar às vezes terno, às vezes dramático, e muitas vezes crítico sobre o mundo.

O evento, que fica em cartaz até 1° de junho, destaca um trabalho de mais de 40 anos percorrendo os quatro cantos do planeta, que resultou em trabalhos como "Exôdos" (1993-2000), sobre as grandes migrações humanas, "Gênesis" (2004-2011), sobre a natureza intocada do planeta, ou "A Mão do Homem" (1986-1992), sobre os trabalhadores, a precarização do trabalho artesanal e as grandes transformações do mundo industrial.

A retrospectiva, que faz parte do calendário de comemorações oficiais do ano do Brasil na França, conta com a parceria da Maison Européenne de la Photographie (MEP), entidade que apoiou o fotógrafo brasileiro desde o início de sua carreira, quando trocou a formação de economista em Londres pelas lentes que imortalizariam grandes momentos da humanidade, dos animais e da natureza.

"Não sou um ser que domina o que está em volta, eu sou parte de tudo isso, dos minerais, dos vegetais", dizia Salgado, quando questionado sobre o que aprendeu ao realizar a série "Gênesis", que ele afirma ter "reacendido sua esperança na vida e no planeta".

Legado

Sebastião Salgado deixa um legado único em imagens de suas centenas de viagens pela floresta amazônica e também por diversas regiões do planeta ? de Ruanda à Indonésia, da Guatemala a Bangladesh ? capturando com sua lente tragédias humanas como a fome, as guerras e os êxodos massivos.

Ele via a fotografia como "uma linguagem poderosa para tentar estabelecer relações melhores entre os homens e a natureza", lembra a Academia de Belas Artes da França em sua biografia.

Salgado trabalhava quase exclusivamente em preto e branco, linguagem que considerava ao mesmo tempo uma interpretação da realidade e uma forma de traduzir a dignidade irreprimível da humanidade.

Nascido em 8 de fevereiro de 1944 em Aimorés, no estado de Minas Gerais, Brasil, era economista de formação. Exilou-se na França em 1969 para fugir da ditadura militar, ao lado de sua futura esposa, Lélia Wanick, com quem teve dois filhos.

Começou sua carreira como fotógrafo profissional de forma autodidata em 1973, em Paris, ando pelas agências Sygma, Gamma e Magnum até 1994. Naquele ano, fundou com Lélia a agência Amazonas Images, exclusivamente dedicada ao seu trabalho, e que acabou se tornando seu estúdio.

(RFI com AFP)

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