Crise do IOF: Lula e Haddad conversam, mas não se escutam, dizem aliados
Aliados do governo dizem que há um problema "mais profundo" nas crises geradas após comunicados do Ministério da Fazenda, como o caso do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras): o presidente Lula (PT) e o ministro Fernando Haddad conversam, mas não se ouvem.
O que aconteceu
Medidas como esta são sempre (ou quase sempre) debatidas no gabinete de Lula. Haddad, que teve de voltar atrás horas depois, não esconde isso e interlocutores do Planalto confirmam que o presidente recebeu a equipe econômica antes do aviso.
O problema é que os dois estão olhando para caminhos opostos, dizem auxiliares. O presidente, por mais que ouça e chancele as escolhas do ministro, muitas vezes o faz com fins diferentes dos propostos pela Fazenda.
O principal exemplo é o estímulo à economia, apontam. Enquanto Haddad busca trabalhar com o Banco Central pela queda da inflação, o presidente tenta manter os compromissos sociais firmados na campanha, estimulando crédito e resistindo a cortar investimentos.
Quem disse que não?
A cobrança de IOF em transferências para investimentos de fundos no exterior caiu como uma bomba entre investidores. Anunciada na tarde de quinta, a decisão fez com que a Bolsa fechasse em queda e que fosse publicada uma correção, mantendo zerado o imposto sobre estas aplicações, antes da abertura dos mercados no dia seguinte.
Pegou mal para o governo. A oposição se armou a criticar o vaivém, nomeando-o de despreparo, economistas questionaram a medida e o retorno criou uma nova charada a responder: de onde vão tirar a compensação? Haddad prometeu responder até o fim da semana.
No Planalto, aliados dizem que Lula não gostou da confusão. Como mostrou a Folha de S. Paulo, ficou o entendimento de que o impacto não foi devidamente detalhado, com menos de 24 horas para a Casa Civil apreciar a proposta, e que poderia ter sido mais claro.
Na Fazenda, reclamam que as explicações são técnicas, mas que as broncas vêm só após as reações públicas (da população ou do mercado). Eles lembram o caso dos imposto sobre compras internacionais ("as blusinhas da Shoppee") e ponderam que a medida seria só mais uma tentativa de tentar resolver a arrecadação em meio às resistências do presidente sobre o assunto.
Essa discordância é o cerne das crises, apontam aliados. Em suas falas e decisões, Haddad tem procurado mostrar e garantir o comprometimento com o controle fiscal, com a busca pelo déficit zero e com o arcabouço, proposto por ele e defendido por Lula (pelo menos publicamente). De forma sutil, o objetivo do ministro é dar uma esfriada na economia, mirando no controle da inflação e na consequente queda da taxa de juros pelo BC.
O presidente, por sua vez, segue o compromisso com os investimentos e estímulo ao consumo. Só nos últimos meses, o governo anunciou o programa de crédito consignado, o reajuste dos valores máximos de financiamento do Minha Casa, Minha Vida e a isenção da conta de luz para 60 milhões de pessoas, além do novo vale-gás, a ser revelado em breve, mas que deverá impactar outros 20 milhões de brasileiros.
Embora defenda sempre seu ministro, pupilo assumido, Lula não esconde que seguirá por este caminho. Em eventos e discursos, costuma repetir que é por meio do consumo "dos mais pobres" que a economia gira, pois "quando o pobre compra mais, a indústria contrata mais e a roda gira" —uma plataforma que estruturou seus primeiros mandatos.
Essa diferença de caminhos aponta para um debate dentro do governo e do PT. Ao UOL, os poucos defensores de Haddad no partido dizem que o ministro sabe "disso tudo" e faz "como pode", ao o que governistas mais fervorosos apontam que é por meio desses anúncios que Lula trilha o caminho para a reeleição no ano que vem. Para eles, sem o investimento social, o quadro do presidente, que já não é dos mais folgados, fica ainda mais complicado.