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Novo Código Civil prevê expulsão de morador antissocial e dificulta Airbnb

Prédios do Condomínio Manhattan, em Salvador - Reprodução/Google Maps
Prédios do Condomínio Manhattan, em Salvador Imagem: Reprodução/Google Maps
do UOL

Do UOL, em São Paulo

30/05/2025 05h30

A proposta de atualização do Código Civil, que está em debate no Senado, prevê a possibilidade de expulsão de "condôminos antissociais" e dificulta o aluguel de apartamentos por meio de apps como o Airbnb.

O que aconteceu

Texto propõe que moradores que "gerarem incompatibilidade de convivência" com vizinhos possam ser multados em função da conduta. Se isso não surtir efeito, o projeto prevê que o condomínio poderá acionar a Justiça para solicitar a expulsão do morador em questão, caso a medida tenha apoio de dois terços da assembleia.

Ideia é que expulsão valha apenas para pessoa com "reiterado comportamento antissocial". Proprietário ou pessoas que dividam imóvel com morador não seriam afetados pela medida. Além disso, a expulsão seria reversível. Se dois terços da assembleia concordarem com a volta do expulso, ele poderá retornar ao condomínio.

Advogados afirmam que expulsão não violaria o direito à propriedade. De acordo com especialistas, o que a inovação fará —caso seja aprovada— é restringir o direito de uso do imóvel, sem afetar outras prerrogativas, como a de alugá-lo ou vendê-lo. Ainda assim, medida é vista como extrema por especialistas.

A expulsão do morador pode ser uma possibilidade em casos excepcionais que envolvam desconforto inável, mas acredito que há medidas judiciais e outros os anteriores que podem ser adotados.
Amanda Faria, advogada e sócia de Imobiliário do escritório Simões Pires

Proposta torna mais difícil aluguel de imóveis via Airbnb e outros apps. Hoje, a lei não trata desse tipo de locação, e decisões judiciais sinalizam que os condomínios podem proibi-lo, caso assim desejem. Já o texto em discussão estabelece que os arrendamentos só poderão acontecer se autorizados pela convenção.

O mais provável é que a maioria dos condomínios opte por autorizar a hospedagem atípica com restrições de uso em relação a piscina, academia e outros espaços comuns. Já prédios de luxo e outros empreendimentos devem optar pelo veto completo ao aluguel por temporada, devido ao próprio perfil dos imóveis.
Rodrigo Palacios, advogado e sócio head imobiliário do Viseu Advogados

No caso dos prédios que se encontram em construção, o comprador deverá checar a minuta da convenção para saber se o aluguel de imóveis por app será permitido. O documento reúne as regras gerais de cada condomínio.

Procurado, o Airbnb informou que "acompanha atentamente as discussões sobre a proposta de atualização do Código Civil". A assessoria de imprensa do app afirmou que o serviço oferecido pela plataforma está "expressamente previsto na Lei do Inquilinato". "Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito constitucional de propriedade de quem aluga o seu imóvel", disse a empresa.

O Airbnb está comprometido a apoiar o crescimento econômico no Brasil, ajudando proprietários de imóveis a obterem renda extra ao se tornarem anfitriões na plataforma, participando ativamente da economia local com praticidade e segurança.

Airbnb, em nota oficial

Regra motivou debate

Autores da proposta discutiram três possibilidades. Uma liberava o aluguel por temporada desde que a convenção não o proibisse. Outra previa que locações do tipo só fossem permitidas em "imóveis com vocação turística". Por fim, o terceiro entendimento prevaleceu porque a maior parte dos imóveis não é alugada via app.

Teto para multas por inadimplência pode subir. Hoje, a punição pode custar até 2% da taxa de condomínio. Pela proposta, o percentual subiria para 10%. Especialistas como Amanda e Cheng consideram o ponto "controverso", já que a multa maior pode acelerar o processo que leva à perda do imóvel pelo condômino.

Pelo texto, morador com condomínio atrasado ou com comportamento antissocial poderá ser impedido de participar de assembleias. Isso também representa mudança em relação às regras atuais.

Código atual vale desde 2002

Lei contém regras sobre casamento, herança, entre outros. Enquanto a Constituição reúne as normas que regem o funcionamento do país, o Código Civil foca em direitos e deveres do cidadão. Ele é organizado em cinco partes: diretrizes gerais, obrigações, direito de família, direito das coisas e direito das sucessões.

Proposta de reforma do Código Civil foi elaborada por comissão de 38 juristas. O colegiado contou com a participação dos ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) João Otávio de Noronha, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze, além do ministro aposentado Cesar Asfor Rocha.

Comissão foi criada por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) quando ele ainda era presidente do Senado. A presidência da comissão ficou a cargo do ministro Luís Felipe Salomão, vice-presidente do STJ, e o próprio Pacheco protocolou a proposta no Senado. Procurado, ele não retornou os contatos da reportagem.

Juristas propam a alteração de 1.122 dos 2.046 artigos da lei. "Uma mudança que afeta mais da metade dos artigos e todos os capítulos do código é uma reforma, e não uma atualização", afirma Caio Fink, sócio do Machado Associados. Para ele, o texto é vago em relação a pontos que exigiriam maior precisão e cria novidades de difícil aplicação.

"Guarda compartilhada" de animais de estimação em caso de separação é uma das inovações propostas. O projeto prevê que ex-cônjuges têm "direito de compartilhar" companhia e custos ligados a pets. O texto incorpora um entendimento já aceito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e outras instâncias.

Protocolada em janeiro, proposta deve tramitar em comissão especial. Contudo, o UOL apurou que não há prazo para o colegiado ser criado e instalado. O projeto deve ar por audiências públicas e comissões antes de ir à votação no plenário.

O que dizem os envolvidos?

Não se trata de simples atualização (do Código Civil), mas de um texto com mudanças estruturais em relação ao atual, que afetam o dia a dia das pessoas. A maior participação da sociedade, da academia e de outros entes na discussão da proposta é necessária e essa discussão precisa ser feita de maneira serena
Diogo Leonardo Machado de Melo, presidente do IASP

O Código Civil rege as relações do cotidiano e, por isso, é muito fácil de ficar anacrônico e não acompanhar as mudanças por que a a sociedade. Nesse sentido, a proposta de atualização vem em bom momento
Lucas Cheng, do escritório Lopes Muniz Advogados

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