Camila Pitanga participa pela 1ª vez do Festival de Cannes e reverencia o legado do pai
A atriz Camila Pitanga está participando pela primeira vez do Festival de Cannes. Ela prestigiou a estreia do curta-metragem "Samba Infinito", selecionado para a Semana da Crítica, e participou de outros eventos durante o maior festival de cinema do mundo.
Adriana Brandão, enviada especial da RFI a Cannes
Camila Pitanga faz uma participação especial no curta-metragem "Samba Infinito", ao lado de Gilberto Gil. O filme do jovem diretor carioca Leonardo Martinelli foi selecionado para a importante mostra paralela Semana da Crítica.
Ela achou "incrível" representar o Brasil neste ano em que o país foi homenageado no Mercado do Filme, está na competição pela Palma de Ouro com "O Agente Secreto" e sente que participa de um movimento de renovação.
"Fazer parte de um curta, de cineasta expoente, é como se eu estivesse participando de um movimento de renovação do que é o ciclo do cinema", diz, lembrando que seu pai, Antonio Pitanga, frequenta o Festival de Cannes há mais de 60 anos.
"O Pagador de Promessas"
O grande ator brasileiro atuou no único filme brasileiro vencedor da Palma de Ouro, até agora, "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, em 1962. Este ano, Antonio Pitanga está de novo nas telas em Cannes no documentário "Para Vigo Me Voy", sobre a vida e obra de Cacá Diegues, de quem foi parceiro, amigo e construiu junto uma parte da história do cinema nacional.
"O legado de Antônio Pitanga é como se fosse um grande baobá. É um legado para o Brasil e para o mundo. Eu bebo dessa fonte, mas eu não estou aos pés de Antônio Pitanga. Ele é um farol que ilumina não só a minha caminhada, mas a caminhada de qualquer ator brasileiro".
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RFI: O que está achando dessa primeira participação no Festival de Cannes da sua carreira?
Camila Pitanga: Eu estou achando incrível poder estar no mesmo ano dessa homenagem ao Brasil no Mercado do Filme. Eu participo de um curta-metragem e estou achando muito curioso, muito excepcional. Tenho uma caminhada, mas acho que a vida da gente é sempre recomeço.
Fazer parte de um curta-metragem de um diretor expoente é como se eu estivesse participando de um movimento de renovação do ciclo do cinema. Sou filha de um ator do cinema, sou filha de Antônio Pitanga. Há mais de 50 anos, ele estava aqui recebendo a Palma de Ouro com o "Pagador de Promessas".
Poder estar aqui participando nesse ano de celebração, fazendo um carnaval na Croisette, trazendo filmes que prezam pela inventividade, que prezam por um olhar crítico, mas ao mesmo tempo experimentando novas estéticas, é uma honra e uma emoção que não têm preço.
Justamente, o seu pai, António pitanga, participou do festival várias vezes. Atuou no único filme brasileiro que ganhou até agora a Palma de Ouro, "O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1962. Você dá continuidade a um certo cinema autoral brasileiro em Cannes?
O legado de Antônio pitanga é como se fosse um grande baobá, que não fala sobre a filha e a atriz Camila Pitanga. É um legado para o Brasil e para o mundo. Eu fiz um documentário com o Beto Brant, querendo reverenciar e fazer com que as novas gerações pudessem reconhecer toda essa trajetória de vida artística, de contribuição, não só na cena cultural, mas na cena política brasileira.
Eu bebo dessa fonte. Honro com meu trabalho da melhor maneira possível, mas eu não estou aos pés de Antônio Pitanga. Ele é um farol que ilumina não só a minha caminhada, mas a caminhada de qualquer ator brasileiro.
Eu tive a honra de entrevistar o seu pai, Antonio Pitanga, há 2 anos, quando ele foi homenageado no Festival do Cinema Brasileiro de Paris..
Eu queria muito ter estado presente. Essa homenagem foi muito especial. Além da história da participação dele, ele é alguém que celebra, que renova. No festival do Rio do ano ado, meu pai estava presente em 3 filmes, sendo que em um deles acumulando o trabalho de ator e diretor, o "Malés". Eu participo como atriz. É o segundo filme em que ele dirige aos 80.
Agora ele está com 85, mas quando estava filmando, estava com 82 anos. Um projeto que fala da resistência negra no Brasil, fala de um levante muito importante, muito emblemático na história brasileira. Um filme que se a em 1835 e que se torna extremamente atual a partir do momento que a gente precisa evocar uma nova maneira de se pensar a história do Brasil, de se pensar em uma perspectiva preta sobre a história do Brasil. Se a gente quer de fato superar a problemática racial e a sua infâmia, a gente precisa que a história seja contada por nós.
António Pitanga não está presente presencialmente, mas ele está presente nas telas no documentário para "Vigo Me Voy", que, aliás, comemorou aqui em Paris os 85 anos do Cacá Diegues. Os dois foram parceiros de cinema e fizeram a história do cinema brasileiro juntos?
Parceiros de cinema e de vida. Eles são irmãos. Foi muito emocionante. Eu sou amiga da família (do Cacá). Tinha a emoção da celebração de todo o legado do Cacá, de tudo que ele entrega como crítica, como reflexão, como inquietação, como perguntas. Mas eu não posso me afastar da dimensão afetiva que esse filme tem para mim, porque meu pai está presente na tela do início ao fim do filme. E não só o ator, é o irmão presente na tela. Essa troca recíproca, desses 2 amigos que se regavam a vida inteira.
Você assistiu à estreia do documentario aqui em Cannes. Você também ou pelo tapete vermelho com a equipe de "O Agente Secreto". Como vê as chances do filme do Kleber Mendonça filho? Será que o Brasil leva uma segunda Palma de Ouro?
Eu estou na torcida fervorosa. O Kleber é um dos artistas atuais, contemporâneos, mais incríveis. Ao mesmo tempo que você tem um olhar crítico sobre um período difícil, ele é um filme que dá a chance também ao devaneio, à loucura, à liberdade e à ousadia. Eu acho que a filmografia de todos os tempos precisa de diretores e de filmes que evoquem a liberdade criativa com um olhar crítico e sensível. Acho que esse filme, "O Agente Secreto", evoca tudo isso.
Você também participou aqui em Cannes de atividades no Mercado do Filme, que este ano teve o Brasil como convidado de honra. Você integrou principalmente o "Vozes da maioria no cinema, os 54% de negros do Brasil não podem esperar". Você que é embaixadora da ONU mulheres no Brasil, um dos organizadores desse evento. Qual foi sua contribuição a esse ?
A ONU contribuiu, em parceria com várias entidades, querendo entender de fato qual é a percepção que o próprio mercado e que a gente pode ter no que tange à ausência de diretoras negras nas telas de cinema do nosso país. Essa ausência é algo que pode ser superado quando você tem iniciativas institucionais de fomento, de formação, de cotas. Algo que a gente precisa lançar luz. A ideia era, muito mais do que problematizar, falar desse dilema e apontar soluções.