TJ-MT suspende processo de recuperação judicial do Grupo Safras
São Paulo, 2 - A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) suspendeu na noite da sexta-feira, 30, o processo de Recuperação Judicial (RJ) do Grupo Safras, menos de duas semanas após o deferimento do processo. A decisão liminar da desembargadora Marilsen Andrade Addario cita irregularidades como ausência de documentos obrigatórios, confusão patrimonial, empresas sem atividade comprovada e operações financeiras suspeitas com fundos de investimento. Ficam suspensos os efeitos da proteção judicial obtida em 20 de maio, incluindo a trégua de 180 dias para execuções individuais.A liminar foi concedida em resposta a agravos de credores como a Agropecuária Locks e Celso Izidoro Vigolo. A relatora acolheu os argumentos e afirmou que "demonstrados, ao menos prima facie, os requisitos previstos no artigo 300 do C/2015", cabia suspender o andamento. "O deferimento do processamento da recuperação, com a limitação dos direitos dos credores, se revela um tanto quanto prematuro", escreveu Addario.Entre os principais problemas está o fato de algumas empresas terem sido constituídas há menos de dois anos, contrariando o artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial, sem prova de atividade operacional efetiva. Foi o caso de holdings como Rossato Participações e D&P Participações. Também foram citadas omissões de documentos essenciais, como extratos bancários e certidões fiscais, ausência de livros contábeis obrigatórios e balanços assinados por pessoas sem vínculo formal.Dilceu Rossato só se registrou como empresário rural em abril, após o pedido, o que impede sua inclusão. Stella Mari Bonatto Moraes nem sequer tem registro. A perícia identificou ajustes patrimoniais sem lastro técnico de R$ 52 milhões, além de prejuízo operacional de R$ 360 milhões em 2024, com margem negativa superior a 300%.Outro foco foi a relação entre o grupo e o fundo Bravano FIDC, que tem R$ 284,1 milhões a receber. A relatora acolheu suspeitas de operações simuladas envolvendo recompra de recebíveis para gerar liquidez artificial. "Indícios robustos de fraude e simulação foram reconhecidos pelo juízo de origem e pela empresa nomeada para a realização da constatação prévia", afirma a decisão, que cita possível blindagem patrimonial indevida.A estrutura societária também foi questionada. Um contrato de agosto de 2024 previa que dois fundos, Axioma e Alcateia, poderiam adquirir 60% do capital do Grupo Safras por apenas R$ 100 mil, com promessa de levantar até R$ 400 milhões em três anos. O documento foi retirado da Junta Comercial após registro. A decisão observa que "a gestão das sociedades recuperandas já estaria subordinada a terceiros" antes do pedido.A liminar ressalta que a maioria das unidades industriais se encontra inativa. "Algumas paradas há mais de um ano, e outras sem demonstração de faturamento recente ou plano de retomada", segundo a constatação. A sede em Maringá (PR) teria apenas sete funcionários presenciais. Foi relatado ainda o desaparecimento de maquinário agrícola como colheitadeiras e tratores.A exclusão da planta de Cuiabá foi tratada como determinante. O imóvel, arrendado pela massa falida da Olvepar à Allos Participações, foi subarrendado à Copagri - depois sucedida pela Safras Agroindústria - sem anuência judicial, motivando a Carbon a pedir reintegração de posse. A Justiça acolheu o pedido e determinou a saída da Safras, sob pena de multa. "Com a sentença de procedência da ação de rescisão do contrato de arrendamento, as chances de êxito do pleito recuperacional se tornam cada vez mais remotas", concluiu Addario.A decisão suspende todos os efeitos do processo até o julgamento final. Com isso, voltam a correr os prazos de ações contra o grupo, que perde a proteção contra execuções. O plano de recuperação, que deveria ser apresentado em 60 dias, também fica suspenso. A desembargadora determinou abertura de prazo para contrarrazões e manifestação do Ministério Público.Grupo Safras reage à decisão do TJ-MTO Grupo Safras divulgou uma nota de esclarecimento em resposta à suspensão da recuperação judicial determinada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso na sexta-feira (30), afirmando que "segue confiante no prosseguimento da recuperação judicial da empresa" e que está "estudando a adoção de medidas judiciais cabíveis". A manifestação representa a primeira reação oficial do conglomerado após a decisão liminar da desembargadora Marilsen Andrade Addario, que suspendeu todos os efeitos do processo de reestruturação de dívidas de R$ 1,78 bilhão.Na nota, o grupo destaca que a recuperação foi "referendada pela justiça e apoiada pelo Ministério Público, que entenderam a importância da medida para a continuidade das atividades do Grupo e, principalmente, para o agronegócio brasileiro". A declaração faz referência ao deferimento inicial concedido em 20 de maio pela juíza Giovana Pasqual de Mello, da 4ª Vara Cível de Sinop.Em entrevista, em 22 de maio, apenas dois dias após o deferimento da recuperação, o advogado Daniel Carnio Costa, que representa o Grupo Safras, minimizou as acusações de fraude e irregularidades, afirmando que "no universo de 900 credores, há apenas dois ou três criando todo esse tumulto por outros interesses" e que o grupo estava "absolutamente tranquilo" quanto às investigações.Naquele dia, Carnio havia declarado que "minha orientação foi sempre apresentar todos os documentos solicitados pelo juízo, pelo Ministério Público, pelo judicial, de maneira a neutralizar eventual crise de credibilidade". O advogado rebateu então as suspeitas sobre o contrato de opção de compra com fundos de investimento, dizendo que "aquela opção de compra existia. Era uma possibilidade de futuro que não se concretizou. Isso não pode ser usado como algo ilícito".Na mesma entrevista, o defensor havia afirmado que o grupo tinha "engatilhados aportes financeiros, financiamentos para que as atividades sejam retomadas no curto prazo" e planejava "um modelo de recuperação que premiará credores colaborativos". Carnio também declarou que "pretendemos fazer um plano muito favorável aos produtores rurais, que são a grande maioria dos credores" e previu que "esse vai ser um caso de sucesso. Esse processo vai ser estudado no futuro como um modelo de boa reestruturação".As declarações contrastam com a decisão do TJ-MT de 30 de maio, que citou "indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial" e irregularidades como ausência de livros contábeis obrigatórios, inclusão de empresas constituídas há menos de dois anos e operações questionáveis com o Bravano FIDC, segundo maior credor com R$ 284,1 milhões.Na ocasião, Carnio havia reconhecido que "podem existir inconsistências contábeis pontuais", mas negou má-fé, argumentando que "estamos tratando de um grupo enorme, que envolve empresas operacionais, produtores rurais, pessoas físicas, numa área marcada pela informalidade". O advogado havia criticado as contestações, dizendo que "o próprio Ministério Público e o juízo colocam que essas questões não têm fundamento. São alegações baseadas em notícias de jornal".